A história do rock gaúcho não
poderia ser escrita sem falar das coletâneas que ajudaram a afirmar cenas e
lançar grupos e intérpretes. Desde os anos setenta, ainda no tempo do vinil,
passando pelas heróicas fitas-cassete e, finalmente, chegando a era digital,
dezenas dessas raridades povoam o imaginário do rock gaudério e atiçam o
espírito arqueológico dos colecionadores de plantão. Algumas delas, como
veremos, escondem verdadeiras pérolas, merecendo reedições, como já ocorreu com
a ‘Rock Garagem’ e outras compilações já clássicas.
A primeira coletânea que marcou a
história do rock gaúcho, ou quase rock, foi a ‘Paralelo 30’, lançada em 1978. A idéia original foi
do jornalista musical Juarez Fonseca, acatada pela gravadora local Isaec que
patrocinou o registro da "antologia de novos compositores". O LP
trazia o "veterano" dos anos sessenta (Cláudio Vera Cruz, ex-Som 4 e
Suco), Bebeto Alves (ex-Utopia, um trio folk-psicodélico-regional) e Carlinhos
Hartlieb (compositor da maioria das músicas do único álbum do grupo Liverpool),
além de Nelson Coelho de Castro, Raul Elwanger e Nando D’Ávila, mais voltados
para a MPB.
O LP ganhou recente reedição em
um caprichado CD duplo, com capa em papel duro e encarte detalhado. Um trazendo
a versão original e remasterizada, outro com canções da edição original em
novas versões com seus intérpretes originais, e novas canções. Entre as novas
canções está ‘Manhã’, de Carlinhos Hartlieb (já falecido), cantada por Gelson
Oliveira, que também reinterpreta ‘Maria da Paz (de Carlinhos, da versão
original). Bebeto Alves, por sua vez, inclui na nova versão a clássica ‘Milonga
de Paus’, que deu nome a um de seus últimos álbuns solo. A nova edição
comemorativa foi bancada pela universidade Usininos, do Vale dos Sinos.
A coletânea ‘Rock Garagem’,
produzida pelo DJ Ricardo Barão, é outro marco clássico da discografia do rock
gaúcho. Em dois volumes, lançados em 1984 e 1985, a coletânea afirmou a
cena local daquela metade de década. Nelas, estão Taranatiriça (com
‘Rockinho’), Urubu Rei (‘Nega’), Garotos da Rua, Fluxo, Moreirinha e seus
Suspiram Blues, Astaroth, Frutos da Crise, Valhala, Leviatah, Replicantes
(‘Princípio do Nada’), Os Eles, Produto Urbano, Prize, Os Bonitos, Câmbio
Negro, Banda de Banda, Atahualpa Y Os Panques (‘Todo Mundo Saca’) e Spartacus.
No som, punk, new wave e metal, especialmente. As duas coletânea já ganharam
reedição em CD.
A coletânea mais popular, no
entanto, desse período, foi a clássica ‘Rock Grande do Sul’, lançada pela RCA
Victor, e já reeditada em CD, que trazia os grupos Engenheiros do Hawaii,
Replicantes, Garotos da Rua, De Falla e TNT. Dos Engenheiros, ainda
desconhecidos da mídia nacional, a coletânea apresentava os hits locais ‘Sopa
de Letrinhas’ e ‘Segurança’, enquanto também destacava o mega-hit ‘Surfista
Calhorda’, com os Replicantes, junto com ‘A Verdadeira Corrida Espacial’. As
duas do TNT eram ‘Estou na Mão’ e ‘Entra Nessa’. Do Garotos da Rua, as
escolhidas foram ‘Tô de Saco Cheio’ e ‘Me Leva Embora’. Com De Falla, ‘Você Me
Disse’ e ‘Instinto Sexual’.
Um pouco antes, no entanto,
outras duas coletâneas também marcaram a cena local. A primeira, ‘Porto Alegre 83’, com texto de apresentação
de Celso Loureiro Chaves, trazia um mix de MPB e rock, apresentando artistas
como Kim Ribeiro, Sá Brito, Cao
Trein (parceiro de Bebeto Alves no Utopia), Giba Giba,
Toneco, Fernando do Ó e Raiz de Pedra (um grupo de jazz-rock instrumental). Já
‘Porto Alegre Rock’, lançada em 1985, com uma das mais belas capas da história
do rock local, era totalmente fiel ao nome. Trazendo de volta à cena o cantor
do Liverpool, Fuguetti Luz (autoria da música ‘Novas Pulsações’, com a
Bandaliera), a coletânea reunia Lionel Gomes, Vôo Livre, Byzarro, Astaroth,
Sodoma, V-2, Pupilas Dilatadas e a já citada Bandaliera.
Em 1988, também em vinil, e da
mesma forma inédita em CD, a coletânea ‘Rio Grande do Rock’ reunia as bandas
Apartheid, Prize, Júlio Reny & Expresso Oriente, Jusca Causa e
Cascavelletes. Com Júlio Reny, estão no LP as músicas ‘Expresso Oriente’ e
‘Anita’, enquanto com os também clássicos Cascavelletes, com a formação
original, incluindo Frank Jorge, os destaques são ‘Estou Amando Uma Mulher’ e
‘Morte Por Tesão’. Apartheid aparece com ‘Roleta Russa’ e ‘Críticos’ e Justa
Causa, banda de Ratão, com ‘Status’, ‘Forças de Interesse’ e ‘Exilados’. Do
Prize, a música selecionada foi ‘Brasil’.
Outra coletânea clássica da
época, lançada em 1991, é ‘Assim Na Terra Como No Céu’, que traz como destaque
a presença do grupo Sangue Sujo, de Wander Wildner pós-Replicantes. Dele, a
coletânea registra para a história do rock gaúcho ‘Jesus Voltará’ (depois
regravada por ele), que ganhou clip na época, e ‘Boa Morte!. Outros destaques
da coletânea são os grupos Ceres, de Biba Meira e Carlo Pianta (com as músicas
‘Bate Em Minha Cabeça’
e ‘Os Meus Sonhos Saindo da Cabeça’) e Pere Lachaise, de Plato Divorak (com
‘Auto-Retrato & 2 Mundos’ e ‘Almas Puras’). A coletânea também traz
Smog Fog, com ‘Os Piratas’ e ‘No Galaxie Rosa’, e o rockabilly do Barba Ruiva
& Os Corsários, com ‘Everbody Rock’n’Roll’ e ‘Jungle Rock’. E mais The
Plastic Dream com ‘Zeit’ e’ Shake My Mind’.
No campo do punk, uma das
coletâneas mais raras da época é ‘Paranóia Suicida’, lançada em vinil pelo selo
Sulcos Suicidas. Na coletânea, com um capa totalmente insana, em cor amarela,
estão os grupos Ratos do Terceiro Mundo, Sub Vida, Insanidade, Vômitos e
Náuseas, N.D.A, Jack e Os Estripadores e Pupilas Dilatadas.A produção foi de
Felipe Messa e as gravações foram feitas no final de 1990. Raridade difícil de
ser encotrada, ‘Paranóia Suicida’ continua inédita em versão digital.
Outra fonte de coletâneas tão
raras quanto geniais é o selo Vórtex, dirigido na época por Carlos Eduardo
Miranda, Wander Wildner, Carlos Gerbase e os demais Replicantes, e responsável
pela agitação da cena local, com seu mix de gravadora, estúdio, loja e bar.
Todas em fita cassete, e inéditas em CD, as coletâneas escondem verdadeiras
pérolas perdidas do rock gaúcho, como uma versão ao vivo com a Graforréia
Xilarmônica para o clássico ‘Vem Quente Que Estou Fervendo’. A música está na coletânea
‘A Grande Sacanagem’, que ainda traz Os Cobaias (com a clássica ‘Dedos no
Sofá’), Rebeldes, DeFalla e Cascavelletes, entre outros.
Outra coletânea clássica da
Vórtex é ‘Zona Mortal’, que contém as versões originais de ‘Mestruada’ e ‘O
Dotadão’, com Os Cascavelletes’, e também de ‘Amor e Morte’ e ‘Não Chores
Lola’, com Júlio Reny e Km0 (com Edu K na guitarra). Na mesma coletânea estão
os grupos Miguel e Almas, Fanzine (com uma versão neo-wave para ‘Sandina’, de
Jimi Joe), Urubu Rei, Os Topetes (outra banda de Reny) e o próprio Miranda,
entre outros. Os registros são de 1984, 1985 e 1986. Ainda da Vórtex, merece
destaque a coletânea punk ‘Danças de Guerra’, com as bandas Kadafi (Wander
Wildner), ORTN (com o original de ‘Burguês’), Justa Causa e Atraque.
Em se tratando de coletâneas
sulistas, não se pode deixar de lembrar os diversos cassetes compilados e
produzidos por Plato Divorak para o seu selo Krakatoa Records. Sempre em
parceria com a loja Toca do Disco, de Rogério Cazzetta, a Krakatoa lançou algumas
pérolas, com destaque para ‘Sha La
La’, ‘Absolute Harmony’ e ‘A Fita dos Mil Disfarces’’. Nelas,
estão algumas raridades como Lovecraft, Aristóteles de Ananias Jr. (de Marcelo
Birck pós-Graforréia Xilarmônica), Assubek (de Carlo Pianta, também ex-GX),
Ultramen, Pere Lachaise e Tequila Baby (com a versão original de ‘Brigadiana’),
entre outros. No final dos anos noventa, ‘The Best of Krakatoa - Guru Psychosis
87/99’, reuniu os melhores momentos do selo, como a versão de ‘Impressões
Digitais’ (do Liverpool) com Plato & The Charts.
A coletânea mais abrangente da
história do rock gaúcho é a editada por Gilmar Eitelvain, com patrocínio da
Prefeitura de Porto Alegre. Intitulada 'A música de Porto Alegre - Rock',
integra uma série de CDs que cobrem a música da cidade ao longo de sua
história. Nela, estão Os Brasas, em gravação de 1967, passando ainda pelos
sessentistas Os Cleans e Liverpool, Utopia, Inconsciente Coletivo, Urubu Rei,
TNT, Bandaliera, Colarinhos Caóticos e Graforréia Xilarmônica. Ao todo, foram
reunidos 24 grupos, que dão um panorama da produção roqueira do Rio Grande do
Sul, desde os anos sessenta.
Mais recentemente, as coletâneas
lançadas pela rádio Ipanema FM, com vários clássicos do rock local, atuais e de
décadas anteriores, deram prosseguimento a tradição das compilações clássicas.
Outras coletâneas como a que reúne as bandas Acústicos & Valvulados,
ainda na fase rockabilly, em inglês, Pura Sangre, Quintos dos Infernos e Mr.
Papoo, e ‘Segunda Sem Ley’ (com Júpiter Maçã e sua clássica ‘Orgasmo Legal’,
também confirmam a acertada política editorial. Uma política que foi levada ao
cinema produzido no Sul, responsável por duas trilhas-coletâneas legais - dos
filmes 'Houve Uma Vez Dois Verões (de Jorge Furtado) e 'Intolerância' (de Carlos
Gerbase).
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