sábado, 26 de maio de 2012

A História do Rock Gaúcho Através das Coletâneas




A história do rock gaúcho não poderia ser escrita sem falar das coletâneas que ajudaram a afirmar cenas e lançar grupos e intérpretes. Desde os anos setenta, ainda no tempo do vinil, passando pelas heróicas fitas-cassete e, finalmente, chegando a era digital, dezenas dessas raridades povoam o imaginário do rock gaudério e atiçam o espírito arqueológico dos colecionadores de plantão. Algumas delas, como veremos, escondem verdadeiras pérolas, merecendo reedições, como já ocorreu com a ‘Rock Garagem’ e outras compilações já clássicas.

A primeira coletânea que marcou a história do rock gaúcho, ou quase rock, foi a ‘Paralelo 30’, lançada em 1978. A idéia original foi do jornalista musical Juarez Fonseca, acatada pela gravadora local Isaec que patrocinou o registro da "antologia de novos compositores". O LP trazia o "veterano" dos anos sessenta (Cláudio Vera Cruz, ex-Som 4 e Suco), Bebeto Alves (ex-Utopia, um trio folk-psicodélico-regional) e Carlinhos Hartlieb (compositor da maioria das músicas do único álbum do grupo Liverpool), além de Nelson Coelho de Castro, Raul Elwanger e Nando D’Ávila, mais voltados para a MPB.

O LP ganhou recente reedição em um caprichado CD duplo, com capa em papel duro e encarte detalhado. Um trazendo a versão original e remasterizada, outro com canções da edição original em novas versões com seus intérpretes originais, e novas canções. Entre as novas canções está ‘Manhã’, de Carlinhos Hartlieb (já falecido), cantada por Gelson Oliveira, que também reinterpreta ‘Maria da Paz (de Carlinhos, da versão original). Bebeto Alves, por sua vez, inclui na nova versão a clássica ‘Milonga de Paus’, que deu nome a um de seus últimos álbuns solo. A nova edição comemorativa foi bancada pela universidade Usininos, do Vale dos Sinos.

A coletânea ‘Rock Garagem’, produzida pelo DJ Ricardo Barão, é outro marco clássico da discografia do rock gaúcho. Em dois volumes, lançados em 1984 e 1985, a coletânea afirmou a cena local daquela metade de década. Nelas, estão Taranatiriça (com ‘Rockinho’), Urubu Rei (‘Nega’), Garotos da Rua, Fluxo, Moreirinha e seus Suspiram Blues, Astaroth, Frutos da Crise, Valhala, Leviatah, Replicantes (‘Princípio do Nada’), Os Eles, Produto Urbano, Prize, Os Bonitos, Câmbio Negro, Banda de Banda, Atahualpa Y Os Panques (‘Todo Mundo Saca’) e Spartacus. No som, punk, new wave e metal, especialmente. As duas coletânea já ganharam reedição em CD.

A coletânea mais popular, no entanto, desse período, foi a clássica ‘Rock Grande do Sul’, lançada pela RCA Victor, e já reeditada em CD, que trazia os grupos Engenheiros do Hawaii, Replicantes, Garotos da Rua, De Falla e TNT. Dos Engenheiros, ainda desconhecidos da mídia nacional, a coletânea apresentava os hits locais ‘Sopa de Letrinhas’ e ‘Segurança’, enquanto também destacava o mega-hit ‘Surfista Calhorda’, com os Replicantes, junto com ‘A Verdadeira Corrida Espacial’. As duas do TNT eram ‘Estou na Mão’ e ‘Entra Nessa’. Do Garotos da Rua, as escolhidas foram ‘Tô de Saco Cheio’ e ‘Me Leva Embora’. Com De Falla, ‘Você Me Disse’ e ‘Instinto Sexual’.

Um pouco antes, no entanto, outras duas coletâneas também marcaram a cena local. A primeira, ‘Porto Alegre 83’, com texto de apresentação de Celso Loureiro Chaves, trazia um mix de MPB e rock, apresentando artistas como Kim Ribeiro, Sá Brito, Cao Trein (parceiro de Bebeto Alves no Utopia), Giba Giba, Toneco, Fernando do Ó e Raiz de Pedra (um grupo de jazz-rock instrumental). Já ‘Porto Alegre Rock’, lançada em 1985, com uma das mais belas capas da história do rock local, era totalmente fiel ao nome. Trazendo de volta à cena o cantor do Liverpool, Fuguetti Luz (autoria da música ‘Novas Pulsações’, com a Bandaliera), a coletânea reunia Lionel Gomes, Vôo Livre, Byzarro, Astaroth, Sodoma, V-2, Pupilas Dilatadas e a já citada Bandaliera.

Em 1988, também em vinil, e da mesma forma inédita em CD, a coletânea ‘Rio Grande do Rock’ reunia as bandas Apartheid, Prize, Júlio Reny & Expresso Oriente, Jusca Causa e Cascavelletes. Com Júlio Reny, estão no LP as músicas ‘Expresso Oriente’ e ‘Anita’, enquanto com os também clássicos Cascavelletes, com a formação original, incluindo Frank Jorge, os destaques são ‘Estou Amando Uma Mulher’ e ‘Morte Por Tesão’. Apartheid aparece com ‘Roleta Russa’ e ‘Críticos’ e Justa Causa, banda de Ratão, com ‘Status’, ‘Forças de Interesse’ e ‘Exilados’. Do Prize, a música selecionada foi ‘Brasil’.

Outra coletânea clássica da época, lançada em 1991, é ‘Assim Na Terra Como No Céu’, que traz como destaque a presença do grupo Sangue Sujo, de Wander Wildner pós-Replicantes. Dele, a coletânea registra para a história do rock gaúcho ‘Jesus Voltará’ (depois regravada por ele), que ganhou clip na época, e ‘Boa Morte!. Outros destaques da coletânea são os grupos Ceres, de Biba Meira e Carlo Pianta (com as músicas ‘Bate Em Minha Cabeça’ e ‘Os Meus Sonhos Saindo da Cabeça’) e Pere Lachaise, de Plato Divorak (com ‘Auto-Retrato & 2 Mundos’ e ‘Almas Puras’). A coletânea também traz Smog Fog, com ‘Os Piratas’ e ‘No Galaxie Rosa’, e o rockabilly do Barba Ruiva & Os Corsários, com ‘Everbody Rock’n’Roll’ e ‘Jungle Rock’. E mais The Plastic Dream com ‘Zeit’ e’ Shake My Mind’.

No campo do punk, uma das coletâneas mais raras da época é ‘Paranóia Suicida’, lançada em vinil pelo selo Sulcos Suicidas. Na coletânea, com um capa totalmente insana, em cor amarela, estão os grupos Ratos do Terceiro Mundo, Sub Vida, Insanidade, Vômitos e Náuseas, N.D.A, Jack e Os Estripadores e Pupilas Dilatadas.A produção foi de Felipe Messa e as gravações foram feitas no final de 1990. Raridade difícil de ser encotrada, ‘Paranóia Suicida’ continua inédita em versão digital.

Outra fonte de coletâneas tão raras quanto geniais é o selo Vórtex, dirigido na época por Carlos Eduardo Miranda, Wander Wildner, Carlos Gerbase e os demais Replicantes, e responsável pela agitação da cena local, com seu mix de gravadora, estúdio, loja e bar. Todas em fita cassete, e inéditas em CD, as coletâneas escondem verdadeiras pérolas perdidas do rock gaúcho, como uma versão ao vivo com a Graforréia Xilarmônica para o clássico ‘Vem Quente Que Estou Fervendo’. A música está na coletânea ‘A Grande Sacanagem’, que ainda traz Os Cobaias (com a clássica ‘Dedos no Sofá’), Rebeldes, DeFalla e Cascavelletes, entre outros.

Outra coletânea clássica da Vórtex é ‘Zona Mortal’, que contém as versões originais de ‘Mestruada’ e ‘O Dotadão’, com Os Cascavelletes’, e também de ‘Amor e Morte’ e ‘Não Chores Lola’, com Júlio Reny e Km0 (com Edu K na guitarra). Na mesma coletânea estão os grupos Miguel e Almas, Fanzine (com uma versão neo-wave para ‘Sandina’, de Jimi Joe), Urubu Rei, Os Topetes (outra banda de Reny) e o próprio Miranda, entre outros. Os registros são de 1984, 1985 e 1986. Ainda da Vórtex, merece destaque a coletânea punk ‘Danças de Guerra’, com as bandas Kadafi (Wander Wildner), ORTN (com o original de ‘Burguês’), Justa Causa e Atraque.

Em se tratando de coletâneas sulistas, não se pode deixar de lembrar os diversos cassetes compilados e produzidos por Plato Divorak para o seu selo Krakatoa Records. Sempre em parceria com a loja Toca do Disco, de Rogério Cazzetta, a Krakatoa lançou algumas pérolas, com destaque para ‘Sha La La’, ‘Absolute Harmony’ e ‘A Fita dos Mil Disfarces’’. Nelas, estão algumas raridades como Lovecraft, Aristóteles de Ananias Jr. (de Marcelo Birck pós-Graforréia Xilarmônica), Assubek (de Carlo Pianta, também ex-GX), Ultramen, Pere Lachaise e Tequila Baby (com a versão original de ‘Brigadiana’), entre outros. No final dos anos noventa, ‘The Best of Krakatoa - Guru Psychosis 87/99’, reuniu os melhores momentos do selo, como a versão de ‘Impressões Digitais’ (do Liverpool) com Plato & The Charts.

A coletânea mais abrangente da história do rock gaúcho é a editada por Gilmar Eitelvain, com patrocínio da Prefeitura de Porto Alegre. Intitulada 'A música de Porto Alegre - Rock', integra uma série de CDs que cobrem a música da cidade ao longo de sua história. Nela, estão Os Brasas, em gravação de 1967, passando ainda pelos sessentistas Os Cleans e Liverpool, Utopia, Inconsciente Coletivo, Urubu Rei, TNT, Bandaliera, Colarinhos Caóticos e Graforréia Xilarmônica. Ao todo, foram reunidos 24 grupos, que dão um panorama da produção roqueira do Rio Grande do Sul, desde os anos sessenta.

Mais recentemente, as coletâneas lançadas pela rádio Ipanema FM, com vários clássicos do rock local, atuais e de décadas anteriores, deram prosseguimento a tradição das compilações clássicas. Outras coletâneas como a que reúne as bandas Acústicos & Valvulados, ainda na fase rockabilly, em inglês, Pura Sangre, Quintos dos Infernos e Mr. Papoo, e ‘Segunda Sem Ley’ (com Júpiter Maçã e sua clássica ‘Orgasmo Legal’, também confirmam a acertada política editorial. Uma política que foi levada ao cinema produzido no Sul, responsável por duas trilhas-coletâneas legais - dos filmes 'Houve Uma Vez Dois Verões (de Jorge Furtado) e 'Intolerância' (de Carlos Gerbase).

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