No ano de 1999, o jornalista Cláudio
Tognolli denunciou a chamada “Máfia do Dendê”, disfarçada de liberal e
intelectual, mas que nos bastidores controlava a produção de música
brasileira em um estilo que também chamou de “carlismo musical”. A dupla
Caetano/Gil é frequentemente apontada no meio musical como cabeça
desse esquema e como influenciadora, patrocinadora de amigos,
orientadora de tendências e adeptos do nepotismo, o que sugere a
analogia com a Máfia italiana.Segundo o jornalista Pedro Alexandre
Sanches em seu “Tropicalismo – Decadência Bonita do Samba: (…) a gana de
uma nova geração que começara havia pouco a se instalar – e que ficaria
para sempre conhecida como geração tropicalista – era justamente de
sepultar a ordem vigente. Os tropicalistas, Caetano à frente, chegavam
não para reatar a linha evolutiva da música popular – como ele mesmo
gostou de propagar à época e, depois, para sempre – mas para
encaminhá-la a outra e diversa direção, mesmo que derrubando o que
aparecesse pelo caminho. (…) instigavam apenas (se puder ser cruel), a
dança da solidão, o eterno (até então, pelo menos) conflito geracional
que sempre levou (até então, pelo menos) a arte para frente e para cima.
Segundo Tognolli, a Máfia do Dendê têm
exercido, desde a década de setenta, controle sobre cadernos culturais
brasileiros, ditando pautas e opiniões. “Quem fala muito mal deles em
grande órgão de imprensa não dura”, disse Tognolli na ocasião, citando o
caso de Luís Antônio Giron, musicólogo, que teria sido demitido de um
jornal de São Paulo porque não entrou no esquema da “máfia”. “O
pagamento da Máfia do Dendê não é em dinheiro, é com uma aura de glamour
e convívio.”
Para o sociólogo francês Pierre
Bourdieu, o campo jornalístico, nascido no século XIX, tem uma lógica
específica que constrange e controla os jornalistas. Os invariáveis do
campo são, por um lado, o pólo intelectual, associável ao jornalismo de
qualidade; e, por outro lado, o pólo comercial, associável às vendas,
tiragens e audiências. Os dois pólos legitimam-se de forma diferente. O
primeiro legitima-se pelo reconhecimento dos valores internos do campo e
o segundo pelo reconhecimento do lucro e do sucesso comercial.
Para o Jornalista Eduardo Carvalho:
Ninguém ousa desafiá-los: não tem espaço, se for músico; e perde o
emprego, se for jornalista. É um esquema canalha e corrupto, mas nunca
discutido. Um método grotesco de promoção da mediocridade, que afoga a
criatividade e cala a resistência. Isso é, em bom português, ditadura.
Imposta exatamente pelos metidos a bacanas que, há poucas décadas,
brincavam de oposição. E, hoje, lucram com isso, colecionando elogios de
celebridades, de Sontag a Almodóvar, e dinheiro fácil, incorporando
estilos e reciclando fórmulas [...] A doutrinação, que começa na escola –
com Caetano elevado a poeta erudito – e passa pela imprensa – como se
fossem eles expoentes do bom gosto.
Jornalistas com cargos executivos
frequentam as festas, as coberturas e entram na roda da “máfia”, que
funcionaria como um lobby, um grupo de pressão. Traçando um paralelo
coma teoria do Poder Simbólico de Bourdieu, a Máfia do Dendê mantém seu
status administrando e cedendo capital simbólico “aura de glamour e
convívio” e exercendo a violência simbólica para cooptar, influenciar e
intimidar membros da imprensa.Segundo Bourdieu, enquanto a lógica do
comercial tenta impor-se através de idéias feitas, comuns e banais,
familiares e reconhecidas por todos, a lógica do pólo intelectual tenta
impor-se desmontando as idéias feitas e demonstrando a sua
superficialidade.
Desta forma, ser apadrinhado dos baianos
é, muitas vezes por si só, garantia de sucesso. Ganhar a benção de
Caetano Veloso e Gilberto Gil, imortalizada pela expressão “é lindo”,
demonstrava uma qualidade simbólica, acima de qualquer qualificação
musical e artística. Por outro lado, quem não possui essa benção ou se
rebela contra ela sofre as sanções do campo e da violência simbólica.Em entrevista ao portal Terra, o
roqueiro baiano Marcelo Nova comenta a existência e as consequências da
Máfia do Dendê: Ela existe, evidentemente. É que a palavra “máfia do
dendê” é uma maneira de tornar a coisa mais “engraçadinha”, quando ela
não tem nada de engraçadinha. É a força do poder econômico, de todos
esses blocos emergentes da Bahia nesses últimos 10 anos, que se uniram,
fortaleceram e tentaram implantar um regime ditatorial musical. É o
poder econômico, não tem nada a ver com qualidade. É o poder da grana.
Por exemplo, para mim é muito mais fácil tocar em Xanxerê, em Santa
Catarina, uma cidadezinha pequenininha, do que tocar em Salvador que é a
terra em que nasci. [...] Não quero ser aceito por coisa nenhuma, por
esse lance de clube dos baianos, não me interessa isso. É um domínio da
coisa obtusa regional. A idéia é “vamos dar as mãos para que não surja
nada que nos impeça de continuar sendo os donos da bola”.
Anteriormente, Caetano Veloso já havia
discutido algo a respeito de seu papel de liderança e poder na Música
Popular Brasileira. Sobre o assunto declarou em 1972 em entrevista a
Ricardo Verspucci e Wilson Moherdavi: Eu creio que não descubro em mim
nenhuma vocação para o poder, entende? Não gosto de responder como líder
de nada. [...] Me angustia o fato de parecer que eu tenho poder, me dá
angústia mesmo, muito grande. Me dá medo, como se fosse um destino,
entende? [...] porque eu não tenho anseio de grandeza [...] porque de
repente dá a impressão de que sou predestinado [...] é muito difícil
evitar que essa coisa pinte na sua cabeça quando essas coisas acontecem,
quando o interesse se torna um interesse desesperado, quer dizer, um
interesse que exige demais, isso causa angústia. Ainda mais que eu já
tenho esse de… desde menino eu tenho esse negócio meio místico, eu era
predestinado a salvar o mundo. E… quando a realidade as vezes parece
confirmar isso me angustia, entende?
Em entrevista recente ao portal Universo
On Line, Caetano Veloso se defendeu da polêmica: “Odeio qualquer tipo
de máfia, mas adoro dendê. Não sei quem criou esse nome, mas garanto que
as duas palavras não combinam. Aliás, acho isso uma acusação boba, sem
substância.”
Em entrevista ao Jornalista Giuliano
Ventura sobre o atual cenário, Cláudio Tognolli afirma que: O que esses
dois (Gil e Caetano) faziam é fichinha perto do que ocorre hoje.
Jabaculê de monte. Os dois são santos perto do que se faz hoje. O
jabaculê é tão grande nas televisões e rádios que poucos artistas podem
pagar o que se pede. Então quem fica no top das paradas são cinco, no
máximo oito artistas. Resultado: para você ter o mercado de pirataria na
mão, basta clonar discos de cinco artistas. A pirataria derrubou o
mercado oficial, nossa pirataria é a maior do mundo, porque o jabaculê
criou oito ícones. Foi o jabá que destruiu nosso mercado fonográfico. O
que Caetano e Gil faziam era apenas pedir alguns favores, falar bem de
certos artistas. Nos anos 90, mandavam na área de cultura da Folha. Não
mandam mais.
De fato, é importante observar que no século XXI, graças a
desestabilização causada pelos novos meios de propagação audiovisual,
sites de relacionamento, gravadoras independentes, pirataria, formatos
de áudio e vídeo cada vez mais compactos como o MP3 e DivX além da livre
e cada vez mais rápida troca de dados pela Internet, tem enfraquecido
tanto as outrora poderosas gravadoras, quanto os antigos formadores de
opinião e causando talvez, depois de tantos anos, a primeira mudança
estrutural notável nas relações de poder do campo musical desde o
Tropicalismo.
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