domingo, 10 de junho de 2012

A Máfia do Dendê

No ano de 1999, o jornalista Cláudio Tognolli denunciou a chamada “Máfia do Dendê”, disfarçada de liberal e intelectual, mas que nos bastidores controlava a produção de música brasileira em um estilo que também chamou de “carlismo musical”. A dupla Caetano/Gil é frequentemente apontada no meio musical como cabeça desse esquema e como influenciadora, patrocinadora de amigos, orientadora de tendências e adeptos do nepotismo, o que sugere a analogia com a Máfia italiana.Segundo o jornalista Pedro Alexandre Sanches em seu “Tropicalismo – Decadência Bonita do Samba: (…) a gana de uma nova geração que começara havia pouco a se instalar – e que ficaria para sempre conhecida como geração tropicalista – era justamente de sepultar a ordem vigente. Os tropicalistas, Caetano à frente, chegavam não para reatar a linha evolutiva da música popular – como ele mesmo gostou de propagar à época e, depois, para sempre – mas para encaminhá-la a outra e diversa direção, mesmo que derrubando o que aparecesse pelo caminho. (…) instigavam apenas (se puder ser cruel), a dança da solidão, o eterno (até então, pelo menos) conflito geracional que sempre levou (até então, pelo menos) a arte para frente e para cima.

Segundo Tognolli, a Máfia do Dendê têm exercido, desde a década de setenta, controle sobre cadernos culturais brasileiros, ditando pautas e opiniões. “Quem fala muito mal deles em grande órgão de imprensa não dura”, disse Tognolli na ocasião, citando o caso de Luís Antônio Giron, musicólogo, que teria sido demitido de um jornal de São Paulo porque não entrou no esquema da “máfia”. “O pagamento da Máfia do Dendê não é em dinheiro, é com uma aura de glamour e convívio.”

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o campo jornalístico, nascido no século XIX, tem uma lógica específica que constrange e controla os jornalistas. Os invariáveis do campo são, por um lado, o pólo intelectual, associável ao jornalismo de qualidade; e, por outro lado, o pólo comercial, associável às vendas, tiragens e audiências. Os dois pólos legitimam-se de forma diferente. O primeiro legitima-se pelo reconhecimento dos valores internos do campo e o segundo pelo reconhecimento do lucro e do sucesso comercial.

Para o Jornalista Eduardo Carvalho: Ninguém ousa desafiá-los: não tem espaço, se for músico; e perde o emprego, se for jornalista. É um esquema canalha e corrupto, mas nunca discutido. Um método grotesco de promoção da mediocridade, que afoga a criatividade e cala a resistência. Isso é, em bom português, ditadura. Imposta exatamente pelos metidos a bacanas que, há poucas décadas, brincavam de oposição. E, hoje, lucram com isso, colecionando elogios de celebridades, de Sontag a Almodóvar, e dinheiro fácil, incorporando estilos e reciclando fórmulas [...] A doutrinação, que começa na escola – com Caetano elevado a poeta erudito – e passa pela imprensa – como se fossem eles expoentes do bom gosto.

Jornalistas com cargos executivos frequentam as festas, as coberturas e entram na roda da “máfia”, que funcionaria como um lobby, um grupo de pressão. Traçando um paralelo coma teoria do Poder Simbólico de Bourdieu, a Máfia do Dendê mantém seu status administrando e cedendo capital simbólico “aura de glamour e convívio” e exercendo a violência simbólica para cooptar, influenciar e intimidar membros da imprensa.Segundo Bourdieu, enquanto a lógica do comercial tenta impor-se através de idéias feitas, comuns e banais, familiares e reconhecidas por todos, a lógica do pólo intelectual tenta impor-se desmontando as idéias feitas e demonstrando a sua superficialidade.

Desta forma, ser apadrinhado dos baianos é, muitas vezes por si só, garantia de sucesso. Ganhar a benção de Caetano Veloso e Gilberto Gil, imortalizada pela expressão “é lindo”, demonstrava uma qualidade simbólica, acima de qualquer qualificação musical e artística. Por outro lado, quem não possui essa benção ou se rebela contra ela sofre as sanções do campo e da violência simbólica.Em entrevista ao portal Terra, o roqueiro baiano Marcelo Nova comenta a existência e as consequências da Máfia do Dendê: Ela existe, evidentemente. É que a palavra “máfia do dendê” é uma maneira de tornar a coisa mais “engraçadinha”, quando ela não tem nada de engraçadinha. É a força do poder econômico, de todos esses blocos emergentes da Bahia nesses últimos 10 anos, que se uniram, fortaleceram e tentaram implantar um regime ditatorial musical. É o poder econômico, não tem nada a ver com qualidade. É o poder da grana. Por exemplo, para mim é muito mais fácil tocar em Xanxerê, em Santa Catarina, uma cidadezinha pequenininha, do que tocar em Salvador que é a terra em que nasci. [...] Não quero ser aceito por coisa nenhuma, por esse lance de clube dos baianos, não me interessa isso. É um domínio da coisa obtusa regional. A idéia é “vamos dar as mãos para que não surja nada que nos impeça de continuar sendo os donos da bola”.

Anteriormente, Caetano Veloso já havia discutido algo a respeito de seu papel de liderança e poder na Música Popular Brasileira. Sobre o assunto declarou em 1972 em entrevista a Ricardo Verspucci e Wilson Moherdavi: Eu creio que não descubro em mim nenhuma vocação para o poder, entende? Não gosto de responder como líder de nada. [...] Me angustia o fato de parecer que eu tenho poder, me dá angústia mesmo, muito grande. Me dá medo, como se fosse um destino, entende? [...] porque eu não tenho anseio de grandeza [...] porque de repente dá a impressão de que sou predestinado [...] é muito difícil evitar que essa coisa pinte na sua cabeça quando essas coisas acontecem, quando o interesse se torna um interesse desesperado, quer dizer, um interesse que exige demais, isso causa angústia. Ainda mais que eu já tenho esse de… desde menino eu tenho esse negócio meio místico, eu era predestinado a salvar o mundo. E… quando a realidade as vezes parece confirmar isso me angustia, entende?

Em entrevista recente ao portal Universo On Line, Caetano Veloso se defendeu da polêmica: “Odeio qualquer tipo de máfia, mas adoro dendê. Não sei quem criou esse nome, mas garanto que as duas palavras não combinam. Aliás, acho isso uma acusação boba, sem substância.”

Em entrevista ao Jornalista Giuliano Ventura sobre o atual cenário, Cláudio Tognolli afirma que: O que esses dois (Gil e Caetano) faziam é fichinha perto do que ocorre hoje. Jabaculê de monte. Os dois são santos perto do que se faz hoje. O jabaculê é tão grande nas televisões e rádios que poucos artistas podem pagar o que se pede. Então quem fica no top das paradas são cinco, no máximo oito artistas. Resultado: para você ter o mercado de pirataria na mão, basta clonar discos de cinco artistas. A pirataria derrubou o mercado oficial, nossa pirataria é a maior do mundo, porque o jabaculê criou oito ícones. Foi o jabá que destruiu nosso mercado fonográfico. O que Caetano e Gil faziam era apenas pedir alguns favores, falar bem de certos artistas. Nos anos 90, mandavam na área de cultura da Folha. Não mandam mais.

 De fato, é importante observar que no século XXI, graças a desestabilização causada pelos novos meios de propagação audiovisual, sites de relacionamento, gravadoras independentes, pirataria, formatos de áudio e vídeo cada vez mais compactos como o MP3 e DivX além da livre e cada vez mais rápida troca de dados pela Internet, tem enfraquecido tanto as outrora poderosas gravadoras, quanto os antigos formadores de opinião e causando talvez, depois de tantos anos, a primeira mudança estrutural notável nas relações de poder do campo musical desde o Tropicalismo.

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