Pete Towshend, do The Who, foi o
primeiro a juntar essas duas palavrinhas mágicas, power e pop, em 1966. Três
anos antes nasceu provavelmente a primeira canção power pop da história:
"It Won't Be Long", dos Beatles. Qualquer exame de DNA, de qualquer
música do estilo, revelará traços da herança genética dos rapazes de Liverpool.
"Eles são o Adão e Eva do gênero", filosofa Bruce Brodeen, dono da
Not Lame, maior gravadora power pop do planeta. "Alguma música existiria
sem eles?", pergunta por sua vez James Broad, líder da banda escocesa
Silver Sun. Talvez a cultura pop não existisse sem eles... mas aí já é outra
história. Somente no início da década de 70 identificou-se uma conjunção de
características inerentes a certas bandas de rock que convencionou-se rotular
de power pop. Essas bandas cresceram influenciadas pelas beat bands dos anos 60
(Beatles, Who, Kinks, Zombies), pitadas de Motown e surf music (principalmente
Beach Boys) e tentavam reviver as glórias passadas de todo o movimento
sessentista, utilizando-se de melodias pop grudentas, doces harmonias vocais e
riffs energéticos de guitarra.
Em 1970 os ingleses do Badfinger,
apadrinhados por Paul McCartney, alcançaram o quarto lugar nas paradas
britânicas e sétimo nas americanas, com "Come And Get It", presente
do padrinho Macca. Se no início a forte ligação com os Beatles ajudou a
impulsionar a carreira, depois de estabelecidos, a proximidade com a maior
banda de todos os tempos se mostrou traiçoeira. A crítica só referia ao
Badfinger como "Beatles de segunda categoria": Por conta do padrinho;
por gravarem pela Apple (gravadora de propriedade dos Beatles); por terem
tirado o nome da banda da letra de uma música dos Besouros; e por produzirem um
som altamente influenciado pelos... Beatles! O declínio da banda e a falta de
dinheiro levou ao suicídio, em 1975, uma das mentes criativas do Badfinger, o
guitarrista/vocalista Pete Ham. Em 78 os membros remanescentes reviveram o
grupo, lançando um novo álbum no mesmo ano e um subseqüente em 81. Porém
disputas judiciais e desentendimentos entre os próprios integrantes causou
outra tragédia: o suicídio do baixista/vocalista Tom Evans, em 1983.
Outro ícone precursor do power pop foi
o grupo americano The Raspberries. Liderado pelo vocalista/guitarrista Eric
Carmen, o grupo obteve relativo sucesso comercial, chegando a emplacar um
quinto lugar na parada americana de sucessos, com a arrasa-quarteirão de refrão
grudento, "Go All The Way". Lançaram, de 1971 a 1975, quatro álbuns,
verdadeiras cartilhas do power pop. Eric Carmen, já em carreira solo, produziu
mais alguns hits e ainda se mantém na ativa. Os outros ex-membros andam
ensaiando uma volta sob o nome Raspberries, sem a presença de Carmen.
Provavelmente a mais cultuada e
injustiçada banda do estilo, o Big Star e seu líder Alex Chilton, através de
melodias Beatles, harmonias Byrds e guitarras Who, explorou temas e texturas
mais pessoais e introspectivos - por vezes melancólicos. Talvez por isso nunca
tenham tido, à época, o devido reconhecimento, amargando um retumbante fracasso
comercial. Entre 1972 e 1975, os americanos de Memphis gravaram três álbuns
considerados bíblias do gênero: "# 1 Record", "Radio City"
e "Third/Sister Lovers (lançado apenas em 1978, três anos após o fim da
banda). Nesse mesmo ano, Chris Bell, número dois do Big Star, deprimido, estava
de volta à sua cidade natal, trabalhando no restaurante de seu pai. Acabou
morrendo em um acidente de carro. O hoje incensado Alex Chilton permanece na
ativa, tendo excursionado com a banda americana Posies como grupo de apoio.
"Esses grupos de power pop são uma
porcaria". Esse é o típico comentário mal humorado que pode convencer, com
meia dúzia de palavras, meio milhão de leitores a torcerem o nariz para o alvo
da intempérie verbal. Porque o comentário indignado partiu de ninguém menos que
o maior crítico de rock da história - Lester Bangs - em sua última entrevista.
O momento era o início dos anos 80 e talvez Bangs tivesse razão. Ou meia razão.
À época, a new wave iniciava um processo de invasão da rádios comerciais e, uma
miscelânea de rótulos e maneirismos musicais era ventilada por parte de
críticos e djs, confundindo a tudo e todos. Onde Duran Duran era power pop,
Replacements era new wave. Alguns apostariam até no entrelaçamento estético do
power pop e punk rock, quando os Ramones se utilizavam de melodias ganchudas e
riffs cativantes, compactados em não mais que dois ou três minutos de música.
Mas essas máquinas de rotulagem nunca foram lá muito precisas. Ou justas.
Alguns heróis da resistência como The Plimsouls, The Bongos, The Knack, Dwight
Twilley Band, não puderam evitar que a nova onda de sintetizadores desligasse o
power de suas guitarras elétricas. Mas a opaca luzinha do standby permaneceu
bravamente acesa por longos dez anos.
Highlanders do pop
1991.
Sob os ares revigorantes
da nova década, a história reservou uma irônica e desapercebida retomada.
Pareceu cena do filme Coração Valente, com o personagem de Mel Gibson
levantando a saia escocesa e mostrando os fundilhos brancos, quase
transparentes aos fleumáticos ingleses: Sim, do país das Highlands, a Escócia,
veio o contra-ataque power pop, e não da tradicional escola inglesa sixtie,
aquela que preparou os recrutas da British Invasion e os transformou em heróis
de todas as gerações do power pop. "Bandwagonesque", segundo álbum da
banda escocesa Teenage Fanclub, recebe o título de 'Álbum do ano' em várias
publicações especializadas pelo mundo afora. Em entrevista, três meses após
lançamento do álbum, ao (hoje extinto) semanário inglês Melody Maker, Norman
Blake - líder do Teenage - profetizou: "O importante não é fazer um disco
relevante em 1991 ou 1992, mas fazer um disco que soará bem pelos próximos 50
anos." Com "Bandwagonesque" novas 'velhas' propostas são
oferecidas ao moribundo power pop. Melodias generosamente bezuntadas de mel,
sobrepostas com camadas de distorção aplicadas até o talo, em canções de amor
cínicas e agridoces, mas ainda assim, canções de amor.
A partir dali, toda a produção
armazenada nos porões do underground é incentivada a emergir e encorajar
milhares de novos seguidores a reverenciar a majestade melodia. Do outro lado
do Atlântico veio a resposta ianque. Ainda no ano de 1991, nasceram duas obras
americanas fundamentais ao power pop moderno: "International Pop
Overthrow" do Material Issue e "Girlfriend" de Matthew Sweet. O
sucesso comercial pleno não veio (com exceção, três anos após, para o álbum de
estréia do Weezer que vendeu mais de 2 milhões de cópias), porém iniciou-se uma
nova revolução silenciosa. "Sem dúvida a internet foi um dos fatores
importantes para essa retomada do power pop nos anos 90", explica Bruce
Brodeen da Not Lame. "As bandas e fãs de repente estavam em conexão direta
um com o outro, erguendo a power pop music ao ponto em que ela se encontra
hoje. Claro, a qualidade e o talento dessa música também foram fundamentais
nesse novo florescimento do estilo", completa Brodeen. E nessa revolução,
o amor pela canção e pela melodia deveria exigir qualquer esforço, e a busca
pelo sucesso comercial, relegada ao segundo plano.