terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A GUITARRA PUNK

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Os Precursores

Vamos tentar localizar onde tudo começou. Quem sabe nos primórdios de grupos como os Beatles, os Stones e o Who, quando a inocência ainda estava intacta. Ou talvez por volta de 1966, quando o guitarrista Chris Britton, dos Troggs, atacava os riffs iniciais de "Wild Thing" (que mereceria depois uma versão do próprio Hendrix). Ou mesmo através das guitarras espasmódicas de Lou Reed e Sterling Morrison, do Velvet Underground e dos delírios distorcidos de Wayne Kramer e Fred "Sonic" Smith do MC 5, sem falar dos Stooges - a princípio com Ron Ashton e posteriormente com James Williamson na guitarra, sempre a postos com um riff esmagador engatilhado. Enquanto alguns - como Johnny Thunders e Sylvain Sylvain, do New York Dolls e Johnny Ramone, dos Ramones - mergulhavam de cabeça no rock mais primário, outros, como Jonathan Richman e seus Modern Lovers, David Byrne e seus Talking Heads e, principalmente, o Television - com seus elaborados mosaicos musicais, a cargo das guitarras de Tom Verlaine e Richard Lloyd -, já conseguiam revestir de idéias sofisticadas a sua aparente simplicidade instrumental. Na Europa, o pioneirismo dessa tendência talvez deveu-se aos experimentos sonoros do grupo alemão Can - no caso, da parte do guitarrista Michael Karoli -, a partir do início da década de 70, mas também vale destacar Wilko Johnson, guitarrista do Dr. Feelgood, que, com sua técnica de tocar com os dedos (sem palheta) seus riffs e solos, acrescentou um colorido todo especial ao repertório revival dos anos 50 tocado pelo grupo (chegando mesmo a ser cogitado, ao lado de Jeff Beck e Rory Gallagher, para preencher a vaga de Mick Taylor nos Stones).

Chegamos então aos primeiros indícios definitivos do que viria a ser da guitarra, com o advento do punk britânico, através de três nomes: Peter Laughner - co-fundador do Pere Ubu, ao lado do vocalista David Thomas-, que transformou seu instrumento em parte essencial da miscelânea sonora do grupo, morto em 1977, sob circunstâncias não totalmente esclarecidas; Hugh Cornwell, que através de seus riffs cortantes integrou os inseparáveis Stranglers ao longo de mais de uma década, incorporando gradativamente ao seu estilo guitarras mais melodiosas e sutilezas acústicas; e, por fim, Brian James, o pioneiro do Damned, um ex-integrante do London SS (grupo que era completado por Mick Jones, o baixista Paul Simonon e o baterista Terry Chimes, todos futuros integrantes do Clash).

A Estética dos Três Acordes

Abracadabra! Como que por mágica, então qualquer um podia ser músico. Bastava saber uns três acordes e alguns riffs básicos. Eram tempos idos aqueles em que o herói da guitarra colocava- se em um Olimpo inalcançável para os pobres mortais. Estava instituído o império dos três acordes. E lá estavam Steve Jones, dos Pistols, Joe Strummer e Mick Jones, do Clash, e Paul Weller, do Jam, e mesmo o californiano East Bay Ray, do Dead Kennedys, para prová-lo. Mas tudo o que é bom dura pouco, e, enquanto o movimento punk entrava em um beco sem saída, alguns de seus baluartes (como Strummer, Jones e Weller) já agregavam outros elementos a seu som, tentando transcender a grande trapaça do rock´n´roll. O caminho rumo à libertação da guitarra de seus batidos clichês estava aberto - ou melhor, escancarado - pelo niilismo punk. Então, só restava trilhá-lo. Outro mérito do movimento foi ter aberto as portas do universo eminentemente masculino dos guitarristas para as mulheres. Foi quando despontaram instrumentistas como Viv Albertine (The Slits), Joan Jett e Lita Ford (The Runaways), Charlotte Caffey e Jane Wiedlin (The Go-Go´s), e mais destacadamente os poderosos riffs da Telecaster de Chrissie Hynde, o estilo atonal de slide guitar de Pat Place (The Contortions), Bush Tetras e as linhas simples e eficientes de Brix Smith (The Fall).

Pós-Punk

Uma imensa gama de possibilidades foi aberta com a assimilação do punk e a necessidade de se chegar além dos três acordes. Keith Levine, egresso diretamente do movimento (era membro do Clash), aproveitou os ensinamentos que teve de violão e pia- no clássico para criar um som de guitarra baseado em notas esparsas e riffs repetitivos, mesclados a influências de música árabe, para compor suas linhas no Public Image Ltd., de John Lyndon. O dedilhado cristalino e a utilização massiva dos harmônicos da guitarra de The Edge tornaram-se marcas indeléveis do som do U2, assim como os contrapontos executados por James Honeyman-Scott ao lado de Chrissie Hynde nos Pretenders. Mas um dos estilos mais marcantes do pós-punk foi o desenvolvido pelo guitarrista do Gang of Four, Andy Gill: seu toque dissonante e sincopado - utilizando-se de notas em vez de acordes, em um rock sintético com pitadas de funk - se adequava como uma luva aos vocais de Jon King e a cozinha formada por Dave Allen e Hugo Burnham, baixo e bateria respectivamente. Gill também se servia de outros recursos, como marcações secas de acordes, scratch e repetição de harmônicos em suas "bases" inusitadas.

Também havia quem preferisse revisitar o passado em grande estilo, como o guitarrista Brian Setzer (Stray Cats), via rockabilly dos anos 50, ou Ricky Wilson (do B-52´s, que usava s uma guitarra sem as duas cordas do meio), pelo timbre instrumental inspirado no dos Ventures. Mas o inverso também era real, com guitarristas veteranos se destacando na nova onda de grupos. Era o caso de Andy Summers, na ativa desde o início dos anos 70, mas que só foi ser reconhecido comercialmente a partir dos acordes delicados que sua Telecaster emprestou às composições de Sting no Police. Já Bill Nelson havia começado a gravar com o Bep-Bop de Luxe em 1974, num estilo entre o hard rock e o progressivo, mas cinco anos depois inovaria radicalmente sua concepção sonora como Bill Nelson´s Red Noise, no LP Sound-on-Sound, que foi o ponto de partida para uma profícua carreira solo durante os anos 80, que além da guitarra começou a incluir também o uso intensivo de tapes e sintetizadores. Outro guitarrista a despontar extemporaneamente foi Mark Knopfler, que, apesar de seu estilo refinado de dedilhado da mão direita e dos perfeitos diálogos travados entre sua voz e a guitarra, só começou a gravar com os Dire Straits em 1977.

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