1963-2002 : a ascensão & queda do rock do IAPI
Por Arthur de Faria
Já compararam o IAPI com o Greenwich Village (bairro dos intelectuais de esquerda de Nova York), mas não tem nada a ver. Se é pra comparar com algum lugar mítico, compare-se com os bairros do sul de Londres, onde nasceram – do rancor proletário, da rebeldia com causas econômicas, do inconformismo punk – o Clash e os Sex Pistols, que incendiaram a fornalha do rock-contestação nos anos 70. [ Eduardo ‘Peninha’ Bueno ]
Era uma vez o início dos anos 60 em Porto Alegre, uma cidade pacata e ainda meio provinciana. Pois, nesse cenário, um ritmo ensandecido chamado rock’n’roll começava timidamente a dar as caras. Num cenário então dominado pela suavidade dos conjuntos melódicos (ver capítulo sobre isso), o novo ritmo chegava movimentando a juventude que não se satisfazia nem com eles nem com a nascente Bossa Nova.
E muito rock se ouviu até que, em 62, inspirados pelo sucesso de Splish Splash – de um tal Roberto Carlos – os primeiros carinhas tomam coragem e montam a Banda Apache. Seria a primeira formação 100% roqueira do Rio Grande do Sul (mais sobre isso no capítulo sobre o rock gaúcho), totalmente instrumental.
E aí centramos nosso cenário na Vila do IAPI, conjunto habitacional meio afastado do centro de Porto Alegre. Inaugurada em 1953, a Vila fora planejado dentro da filosofia getulista de propiciar aos trabalhadores um bairro só seu e com toda infra-estrutura, praças, prédios pequenos e sólidos, com pátios, hortas e muitas árvores. E aí, exatos 10 anos depois de sua inauguração, muitos dos filhos dos primeiros moradores do bairro tavam passando por um perigoso formigamento conhecido como adolescência. Em pouco tempo, o negócio virou, como diria algum antropólogo, um melting pot de cultura semi-proletária: artistas plásticos, atores, uns poucos universitários e muitos – MUITOS – músicos. A estrelinha local Elis Regina, por exemplo, ainda morava ali.
Em 64, enquanto Elis embarca pro Rio para se tornar a maior cantora do País (também temos um capítulo sobre isso, ao alcance do freguês), já embrionava a lenda que lançaria o IAPI no fabulário roqueiro nacional dos anos 70. Duas das melhores e mais importantes bandas gaúchas de todos os tempos teriam grande parte de sua mítica vinculada à vila meio interiorana daquele bairro, onde cresceram todos seus integrantes: Marco Antônio Figueiredo Fughetti Luz (Salto, 10 de março de 47), Milton Mimi Lessa & Marcos Lessa, Vilmar Santana Pecos Pássaro Pepeco Pekus e Edson Edinho Espíndola. Se você não conhece o Bixo da Seda ou o Liverpool, não sabe do que foi capaz o rock gaúcho.
Pois então. Voltemos a 63, quando uma banda de guitarra chamada The Best tinha como grande atração os irmãos Lessa: Marcos no baixo e Mimi na guitarra.
Um dia, um certo Carruíra ouve os caras e resolve convidar Mimi pra entrar na sua banda, sediada no Jardim Itu. Era um grupo iniciante, como o The Best – mas quem não era iniciante então? O diferencial do grupo do Carruíra era que eles se inspiravam numa banda inglesa ainda bem desconhecida do público brasileiro. Sim: os Beatles. E o nome da banda do cara? Liverpool. Homenagem à cidade natal dos Fab Four – que ainda não tinham nenhum disco lançado no Brasil e cujos discos eram ouvidos em sessões de culto, trazidos diretamente da Argentina.
O detalhe é que nesse primeiro momento pré-Beatles (e a banda de Harrison e Starr só seria conhecida mesmo no Brasil em 65), a onda era, como se viu, rock instrumental. Só que o Fughetti, grande amigo do Mimi, tinha o sonho de ser cantor. Resultado: O Mimi disse que ia levar um cantor junto. Era eu! Só que ninguém sabia que eu era cantor, só eu! E o Mimi. A gente se criou junto, tocando em tudo que era roda de samba do bairro. O Mimi no cavaquinho e eu na garrafa com abridor. (…) Nós morávamos próximos um do outro no IAPI, só que cada um era de uma turma diferente. O Mimi andava de botinha, Beatles e tal, e eu sempre na minha porta, tocando violão. O Mimi me sacava.
Estamos já em 65. E aí, aprovadas ambas as contratações, a banda fica sendo Fughetti no vocal e Mimi na guitarra. Mais o Carruíra, Alemão Roy e Vinícius (por sinal, primo de Mimi) e, na bateria, Vico. Que, na época, já era um fera das baquetas. Tão fera nos anos 70 seria um sultão do suíngue e do samba-rock que em três anos já tava mais do que cheio dos guris. E salta fora, seguido pelo próprio Carruíra. Mas aí Mimi e Fughetti tavam bem felizes de tocar juntos, e decidiram manter o trabalho, com o mesmo nome, e completando a formação com a sua turma.
Marcos assume o baixo e, pro posto vago de baterista, chamam o primo Edinho Espíndola. Além de ser pouco mais que uma criança, Edinho nunca tinha chegado nem perto de uma bateria. Mas vivia batucando com cabides em tudo o que via pela frente.
Pronto: a banda tinha virado cem por cento IAPI. E na forma de quarteto rocker brazuca clássico: voz, guitarra, baixo e bateria Pingüim.
Só que seguia faltando alguma coisa. E essa coisa se chamaria Pekus, ou Pepeco, ou Pássaro. O cara era um dos maiores malucos-beleza do bairro, uma espécie de hippie avant la lettre, que o futuro enlendaria como o Syd Barret do IAPI. Marcos passa pra segunda guitarra, Pekus assume o baixo e, de quebra, uma certa liderança entre os rapazes. O ano já era 67 e eles tavam prontos pra enfrentar o Brasil. Só não sabiam ainda.
Mimi: O Liver começou leve e foi pesando. Em todos os sentidos. A gente era uma garotada ingênua que, de repente, foi parar no Rio de Janeiro, no meio de artistas plásticos, intelectuais, músicos famosos, um pessoal muito louco. Aí, desbundamos.
Mas antes disso, é claro, não foi mole. Como todas as bandas da época, fizeram muitos bailes, até três clubes numa noite. E logo começam a se diferenciar, por dois detalhes importantes. Um, é que ensaiavam até a exaustão. Coisa de oito horas por dia, cinco dias por semana nos outros dois, faziam os bailes. Essa disciplina de trabalho só era possível graças a uma empresa de um bairro próximo, a Zivi Hércules. Durante a semana, a firma emprestava o clube dos funcionários pros rapazes, que o transformaram na sede da banda. Fughetti, épico: Os operários saiam do IAPI de manhã cedinho pra trabalhar e a gente saía junto, pra ensaiar. Éramos operários da música.
O outro diferencial era o quê ensaiavam. Já estamos em 67. E segue o Fughetti: Tocávamos Beatles, Rolling Stones, tudo. Pensei: tá errado. (…) Todo mundo cantava o mesmo. Foi então que começamos a tocar The Byrds, quatro vozes, cada um na sua. Ficava o dia inteiro tirando a voz e pronúncia, pois não entendo nada de inglês. (…) Começei a mudar o Liverpool. Quando tocamos no Sindicato dos Metalúrgicos pela primeira vez, vendi o show por vinte pila, quando o cachê na época era cem. (…) Na outra semana, quando terminamos o show, ainda em cima do impacto, fomos contratados de novo, só que o valor já era cem pila. Moral da história, em um mês, a banda estava valendo cento e vinte pila, e as outras não passavam de cem. Entrou música brasileira na roda, divulgávamos Gilberto Gil, Caetano. Gravava direto da televisão.
Nesse quesito, nossos rapazes tinham um verdadeiro birô de transcrição televisivo, que se instalava a cada possível aparição da nova turma de jovens compositores que surgia então. E aí valia tanto os tropicalistas quanto nomes que nada tinham a ver com rock, como Edu Lobo. Em tempos em que gravadores eram um luxo de poucos, e videocassete ficção científica, lá ficavam eles: lápis, papel e violões na mão, atentíssimos. Quando entrava a próxima atração, um anotava a letra, outro decorava a melodia, um terceiro tentava acompanhar a harmonia. No baile seguinte eles estreavam a versão em Porto Alegre, em primeiríssima mão: foi assim com Alegria, Alegria, Domingo no Parque e até o samba pós-bossa edulobiano Memórias de Marta Saré, que causava o maior frisson.
E o bacana era que ninguém ali era sectariamente rocker. Mimi tinha começado na música tocando pífaro na banda do colégio e cavaquinho na Escola de Samba Praiana. Fughetti, por sua vez, era ligado em samba e Bossa Nova e, sempre tentando aprimorar-se como cantor, já tinha enfrentado até a famigerada canção italiana dos anos 60: participei do primeiro festival de música do Rio Grande do Sul, realizado na Reitoria da UFRGS (Festival de Novos Compositores, 1963). Botei uma banda melódica (o Je Reviens, conjunto melódico). (…) Na TV Piratini tinha um concurso que premiava três cantores. Me metia para saber como estava, e tirava o segundo lugar. Me sentia melhor, do tipo já-não-estou-cantando-tão-ruim. Cantava música italiana e metia bronca. (…) Desde os doze anos eu ia para o Rio de Janeiro. Tenho uma tia que, nas férias, sempre me levava para lá. Ia para Praça Onze fazer partituras com os coroas. Não queria que roubassem minhas músicas, compunha um monte e fazia as partituras.
E aí, empolgados pelo diferencial que começava a dar pé, eles tomam a decisão que os afastaria definitivamente da maioria das outra centena de bandas de então: iriam compor seu próprio material. Nessa época só quem fazia isso eram os desconhecidos The Bachfools de Cláudio Levitan e Os Satânicos de Hermes Aquino e Cláudio Vera Cruz. Ou seja: era uma loucura mesmo. Até porque, tirando Lupicínio Rodrigues ou uns poucos jovens autores que a Elis Regina tinha gravado em seus primeiros discos, há quase meio século que não havia compositores conhecidos no Estado (mais sobre isso no capítulo sobre a Era do Rádio). Azar. O momento era de efervescência, motivado pelos festivais que estavam a mil também no Rio Grande do Sul. Afinal, o ano já é 68.
E aí, com as primeiras músicas próprias ensaiadas e um punhado de colaborações de amigos, acabaram caindo nas graças do polivalente Glênio Reis. Glênio era um animadíssimo animador de um programa de auditório que fazia o maior sucesso na TV Gaúcha: o GR Show. Também era um homem de rádio. E, apesar de já estar na casa dos quarenta, foi o primeiro DJ a tocar Jimi Hendrix, Steppenwolf e outras barbaridades desse calibre nas ondas conservadoras do rádio porto-alegrense (seguia na ativa em 2002, e sem jamais ter careteado). Também fôra um dos maiores amigos de Elis Regina e tinha botado toda a pilha pra garota ir embora pro centro do País. Tinha feito o mesmo com o baterista Nenê e logo estaria investindo na exportação dos guris.
No GR Show, um dos quadros de maior sucesso era justamente o que apresentava bandas tocando o melhor da Jovem Guarda, do rock e da Tropicália. E foi nele que estrearam na TV os meninos de que ele lembra com uma ternura paternal: O Liverpool tinha uma coisa que me agradava muito… Eles faziam um rock que era puramente tupiniquim, brasileiro, tropical. Mas, ao mesmo tempo, estavam em sintonia com o que havia de mais moderno no mundo – apesar de toda a precariedade de condições que eles encontravam. Aquilo que o Jimi Hendrix fazia com uma guitarra de primeira qualidade, o Mimi fazia com um instrumento desgraçado, que às vezes berrava e apagava. Além disso, eram tão guris que o Edinho tinha de pedir autorização para os pais quando eles viajavam…
A banda assina contrato com a emissora e ganha até um empresário importante: Jorge Além – o popular Gordo Salim. Com a força do Glênio, a caravana do GR Show lota clubes por todo o Estado, numa iniciativa absolutamente pioneira para o rock gaúcho. Eram duas kombis: uma com o conjunto melódico que se encarregava do baile, outra com nossos rapazes pra fazer o show. Tavam que tavam. Fughetti: O pessoal parava de dançar para observar nossa arte: (…) “Bah!, os neguinhos quebravam o compasso no meio do salão!” O negócio era dançar, e (…) viramos banda de show, não de baile. (…) Fizemos o Rio Grande pelo menos duas vezes, em tudo que é cidade. (…) Outro detalhe importante é que toda sexta-feira a gente sempre apresentava uma música nova. (…) As pessoas já ficavam esperando, sabiam que vinha chumbo.
Aí, em 69, vêm o empurrão que faltava. Dividindo o palco com Carlinhos Hartlieb, participam do II Festival Universitário da Música Popular, promovido pela UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apresenta duas canções de Carlinhos: a esfuziante Por Favor, Sucesso, e Olhai os Lírios do Campo. A primeira era um verdadeiro labirinto rítmico, cheio de andamentos diferentes, mas que nunca perde um sentimento de urgência que tem tudo a ver com o arranjo nervoso e a letra totalmente tropicalista:
Procurei você pelo mapa da cidade, perguntei seu nome.
E quilômetros depois eu te perdi…
Por favor, estou muito assustado com você!.
Ouça, menina, essa nova música que será sucesso durante um mês
Por favor, estou apaixonado por você!
Veja, menina: enquanto a chaleira esfria,
fia que estaremos certos durante um mês
Por favor, não estou mais preparado que você!
Esqueça, menina.
Mastigando sem parar, comparar,
se parar temos três minutos durante um mês.
Que será sucesso durante um mês,
temos três minutos durante um mês,
estaremos certos durante um mês.
Resultado: ganham o festival. E, com a vitória, tavam automaticamente escalados pra tocar no prestigiadíssimo FIC, o Festival Internacional da Canção, da TV Globo, no Rio. Em uma semana estamos em setembro de 69 -, lá tavam eles no Maracanãzinho, disputando pau a pau com os caras que pouco antes assistiam embasbacados na TV: Jorge Ben, Os Mutantes…
…E tomam aquela vaia!
Mas também, queriam o quê?!? Quem ganhou o festival foi a xaropíssima Cantiga por Luciana, imagina se o clima tava pra experimentalismos. Mas pelo menos também concorriam Os Mutantes e os conterrâneos Hermes Aquino e Laís Marques.
A cena gaúcha ali presente acaba impressionando algumas pessoas, a RGE contrata Hermes, e o selo carioca Equipe assina com nossos rapazes.
Vão gravar um LP!
Sabe o que é isso? Tirando a Elis e o Teixeirinha – que eram nomes nacionais – gaúcho gravando LP nessa época era quase ficção científica. Proeza só conseguida por grandes nomes da música regional, como Gildo de Freitas, José Mendes e olhe lá…
Pois pegam a cara e a coragem e sobem para o Rio (com mais uma carta de autorização do pai do Edinho na bagagem, claro).
O tal disco se chama Por Favor, Sucesso, sai em 69, tem texto de contracapa assinado pelo Glênio Reis e… é magistral. Que o diga o jornalista Fernando Rosa, o popular Senhor F, autoridade maior em rock brasileiro dos anos 60 e 70: eles produziram uma obra que aproximou-se da genialidade dos Mutantes. (…) o disco reúne um conjunto de ótimas composições, com instrumental acima da média e letras inteligentes e expressivas do cotidiano da juventude da época (…) com um impressionante trabalho de guitarra – com distorção no talo e harmonias rebuscadas. (…) Passados mais de trinta anos, a música de Por Favor, Sucesso não soa datada, cobrando com suas elaboradas composições e refino instrumental o reconhecimento que faltou no seu devido tempo.
Além da canção-título e uma insólita mistura psicodélica de MPB com Jimi Hendrix chamada Olhai os Lírios dos Campos, brilham ali mais duas canções de Carlinhos, ambas em parceria com Hermes Aquino: Água Branca e Cabelos Varridos cuja letra é cantada duas vezes, sendo que na segunda na metade do tempo da música, dando um nó na cabeça do pobre ouvinte.
Hermes ainda comparece com mais três canções: o popinho Blue Hawaii, que disfarça bem outra encrenca polirrítmica. Voando, uma festa psicodélica reeditada na virada do milênio numa coletânea alemã chamada Love, Peace & Poetry Brazilian Psychedelic Music. E uma pérola perdida do pop-rock nacional: Você Gosta?, queridíssima parceria dele com ninguém menos que Tom Zé:
Eu sei que você adora passear de pé no chão,
eu sei que no seu sossego sossega meu coração.
Eu sei que você não gosta de me ver sem me arranhar.
Por isso vou lhe perguntar, me responda sem demora:
– Você gosta de me abraçar? Gosta?
Então me abrace toda hora!
Eu sei que você não gosta de magoar seu coração.
Mas quando eu estou em casa
derrama leite no fogão, e quando bota o açúcar faz o café derramar.
Por isso vou lhe perguntar, me responda sem demora:
– Você gosta de derramar? Gosta?
Então derrame toda hora!
Nossa velha conhecida Laís Marques, por sua vez, comparece também com três canções: a marcha-bossa-rancho Planador, marcha em tempo ternário. Impressões Digitais, que acumula distorções e feedbacks de guitarras. E Tão Longe de Mim, espécie de sambalanço suingadíssimo, muito envenenado pelas incendiárias guitarras de Mimi em cima da percussão virtuosa de Edinho.
Pra fechar, três canções da própria banda: o boogie-pop meio gago Que Mania!, de Pepeco, Mimi e um tal Marquinho. A angustiada e psicodélica Décimo-Terceiro Andar, de Marcos – onde Fughetti arrasa, coroando um disco onde sua voz clara e sutil em nada lembra o vocal roqueiro que ele desenvolveria nas décadas seguintes. E a hippie e totalmente tropicalista Paz e Amor, de Marcos e, de novo, o tal Marquinho
Sem lutas vou seguindo em frente, de braços com o meu amor, e na igreja o sino toca saudando Deus Nosso Senhor: Viva o avião! Viva o Rei Pelé! Viva a cabeleira do Zezé!
O forte do trabalho são os infernos rítmicos, que alteram compassos de sete, cinco e nove tempos com uma naturalidade que faz com que a complicação passe batido por quem não perder tempo contando. Tudo é muito orgânico, vivo e efervescente. Pra não falar das melodias por vezes ousadas, dos arranjos alaboradíssimos e da rica instrumentação que mistura a uma cozinha poderosa de baixo e bateria, órgãos, pianos, percussões e camadas e mais camadas de guitarras.
Pirateado a torto e a direito, o LP vale pequenas fortunas em sites do mundo todo especializados em velharias psicodélicas dos anos 60. Mas jamais foi relançado e, por conta da exagerada maluquice, tampouco fez sucesso na época de seu lançamento.
Mas tem uma originalidade e uma criatividade pouquíssimas vezes alcançada pelo rock brazuca, em qualquer época. Gerou respeito e renome.
E estabeleceu nossos rapazes no Rio de Janeiro do comecinho da década de 70. Rio que lhes traz três grandes novidades: contrato de um ano com a TV Tupi, sucesso cult e… o LSD que teria efeitos devastadores em Pepeco.
Sob o impacto dessas cinco coisas (Ué, não são três?!? É que elas piscam taaaanto…), gravam pela Polydor em 71 um compacto com Hei, Menina, produzido por Nelson Motta e assinado como Liverpool Sound. Em seguida, outro compacto, só que duplo: a trilha do filmequinho teen praieiro Marcelo Zona Sul, cujo maior mérito era mesmo a música e isso que mesmo ela não era lá grande coisa, composta quase toda pelo diretor e executada pelos meninos.
E aí outra boa nova: são contratados pro programa Som Livre Exportação, da TV Globo. Assinam para um ano. Ano de muitas viagens, ao lado de seus ídolos de pouco tempo antes a outra banda do Som Livre era Os Mutantes. E junto com novatos como eles, saídos do circuito universitário: gente como Gonzaguinha e Ivan Lins. Pra não falar da ex-vizinha de bairro Elis Regina.
O prestígio ia crescendo, devagar. Mimi dava aulas pro guitarrista e compositor Toninho Horta, Milton Nascimento chega a abrir um show do Liverpool. Em 1972, uma edição do Som Livre Exportação é mais do que especial: Auditório Araújo Vianna – em Porto Alegre, no centro do Parque da Redenção -, com lotação esgotadíssima de mais de seis mil pessoas. O programa vinha pela primeira vez ao Estado e, é claro, com o Liver de maior atração. Estraçalharam. Quem viu, lembra.
Representantes da Som Livre e da Philips viram. E passaram a disputar o passe da banda, que estava sem gravadora.
Só que, fora da música, as coisas não iam bem. Fughetti conta sua versão: Era tudo de mentira! Esse lance de ficar trabalhando na Globo e mangueando em Copacabana… Só se jogava conversa fora, papo de praia, sem ir nas profundezas, na essência do ser… E aí ele começa a dizer não: E só eu que dizia não. Claro que a barra pesou. Pra piorar o clima, Pecus se meteu num rolo pesado com drogas, a polícia começou a marcar de cima e a pressão foi demais pra sua já frágil cabeça. De maluco-beleza, o garoto tão cheio de vida passou a maluco de carteirinha. Mimi: Terminavam as músicas e ele continuava tocando… O público até gostava, achava genial, mas não era arranjo nem nada. Era loucura mesmo.
E aí, ao amanhecer de mais uma noite que passara insone, infernizando todos com seu violão de 12 cordas, no meio de um acorde Pecus sai porta afora. A banda tava toda junta, num sítio no interior do Rio, num clima Mutantes-na-Serra-da-Cantareira, ensaiando dia e noite um show novo e tomando tudo que é porcaria. Só podia dar nisso. Quando foram atrás de Pepeco, ele já não estava a vista. Os minutos viraram horas, que viraram dias. E ele não voltou. No lugar dele, quem pinta é um visitante nada esperado: a polícia.
É que, pra piorar um cenário que já tava suficiente bandeiroso, o tal sítio tinha sido emprestado por “subversivos inimigos do regime”.
Foram longos meses até receberem a notícia de que Pepeco tinha sido localizado, no Maranhão. E que tinha ido até lá pedindo carona improvisando repentes ao violão.
Só que aí o Liverpool já não existia.
E pior: tinha amargado uma cana braba. E cana braba em 1972, época mais negra da ditadura militar.
Imaginem Edinho, com carinha de garoto imberbe e cabelos pela cintura, passando por uma galeria central e sendo ovacionado aos gritos de “Oba, carne nova!”. A sorte é que, menor de 21, foi quase imediatamente liberado. Já os outros se apressaram a conseguir uns instrumentos o mais rápido possível, pra animar a galera de forma saudável, já que as outras opções eram nada agradáveis.
Por outro lado, logo a polícia descobriu que o lance daquele bando de malucos era música mesmo, e não guerrilha. E aí escapar do pior, escaparam. Mas acabava ali e muito mal – o primeiro sonho gaúcho de conquista do cenário pop nacional.
A prisão e o fim da banda provocam uma diáspora na turma. Mimi sai direto do xilindró de volta pra seu amado IAPI. Lá, reencontra Pepeco, já repatriado do Maranhão e um pouco mais calmo. Marcos e Edinho, por sua vez, resolvem seguir com a vida no Rio. Já Fughetti se manda com a mulher Zefa pra Europa, sem falar nenhuma língua além do português. E com Amsterdam na mente, é claro: Tudo que ouvia no meu quarto no IAPI pude ouvir ao vivo na Europa. Tinha um pub na esquina da minha casa, (…) e lá vi o Yes, The Who (…). Na Holanda, fiquei três dias no Museu do Van Gogh. Musicalmente, descolei trabalho, trabalhei para isso. Mas não estava lá para aprender o idioma deles, estava somente dando uma banda, não sabia onde ir. Comprei uma kombi-house e viajei de Londres para França, Holanda, Bélgica.
A aventura duraria um ano e dois meses, no meio dos quais nasce sua única filha, batizada Shanti Luz. Ia tudo bem até que, reza a lenda, os federais de lá resolveram intervir. E o convenceram, com argumentos irrefutáveis, que, quem sabe, talvez fosse melhor voltar pro seu País de origem. A mulher e a filha vão de avião, Fughetti é embarcado num navio. Só que, pra pagar sua passagem, teria de trabalhar, fazendo alguma coisa. Não teve dúvida:
– Podexá que eu cuido da farmácia.
Corria o ano de 73 quando o guitarrista gaúcho Zé Vicente Brizola, filho do exilado mais famoso de então, procura seu herói Mimi com uma proposta: Quem sabe a gente faz uma banda?
Pra seu espanto de fã do Liverpool, Mimi não só topa como manda baixar primo Edinho e mano Marcos. Decidem que a banda nova seria incrementada com um teclado, e pra isso convocam o velho conhecido Cláudio Vera Cruz, então na banda do GR Show. Pra fechar, revezando baixo e violões com Marcos, mais uma chance pro Peko. Que já tava totalmente Syd Barret.
Mas pelo menos pra uma coisa serviu. Enrolando um, olha pro papelzinho que fechava o cigarrinho-que-passarinho-não-fuma e vêm a idéia pro nome da banda nova:
– Seda!!! Bicho da Seda!, grita. E emenda: Melhor! Bixo com ‘x’, que ‘ch’ não funciona!
O Bixo da Seda estreou numa série de shows, sábados à noite e domingos à tarde, no Clube de Cultura de Porto Alegre. Não tinham um irriquieto frontman como Fughetti, mas davam um jeito revezando os vocais entre os instrumentistas da banda. E funcionava.
Tanto que os shows do Clube foram um baita sucesso. Exceto por um detalhe: justo na estréia, Pekus mais uma vez não notou que o espetáculo terminara, e, indiferente ao último acorde da última música, seguiu tocando seu inefável violão de 12 cordas, sendo sutilmente retirado do palco pelos colegas…
Definitivamente, não dava mais.
Aí, quando veio do Rio o convite pra se apresentarem num importante festival de rock, o baixo foi definitivamente assumido por Marcos. E Pepeco convidado a se retirar (o que pode ter sido inevitável, mas também foi decisivo pra que o Bixo não tivesse entre suas tantas qualidades a inventividade que grassava no Liverpool). Só que, pra compensar a tristeza pela demência do amigo, quem tinha voltado pra banda e iria pro Rio com eles era o bom e velho… Fughetti.
A princípio, ele não queria. Afinal, naquele curto espaço de tempo entre sua volta da Europa e o convite pro festival, Fuga tinha montado a Laranja Mecânica, composto o repertório da Trilha do Sol, e assumido os vocais do Bobo da Corte – que tinha bons músicos como Flávio Chaminé no baixo e Gatinha na bateria. Sem falar no livro de poesia que bancou do próprio bolso e distribuiu pela cidade… atirando o dito cujo pela janela do ônibus!
Mas rolava um clima. E os três amigos, saudosos, ficavam convidando, convidando…
Até que um dia.
Um dia o Bobo da Corte abriu um show pro Bixo, Fughetti deu uma canja e pronto: the song remains the same. Saldo final: Bobo sem vocalista, e o Bixo transformado num produto Made in IAPI.
E lá se foram eles de novo pro Rio, que continuava lindo. E inóspito. Ao menos para aqueles meninos suburbanos. Cláudio Vera Cruz fica, e quem vai assumir os teclados é o carioca Renato Ladeira, futuro parceiro de Cazuza em Faz Parte do Meu Show e então recém-saído de outra lenda do rock setentão: A Bolha (o caxiense Paulo Casarin também pega o posto de tecladista por uns tempos).
Mas o IAPI seguia sendo o Norte de todos. Que sempre tiveram (e em 90, quando foram feitas a maior parte destas entrevistas, seguiam tendo) um orgulhoso bairrismo. Coisa de guri criado solto, jogando pelada num campinho de várzea vaidosamente chamado de Estádio e que sediou peladas históricas na década de 70, como Bixo-da-Seda x Gilberto Gil & banda.
Coisa de adolescentes batucando pratos e talheres em rodas de samba espalhadas por ruas quase interioranas. De cadeiras na calçada, chimarrão no fim da tarde, ervas finas nas esquinas e Beatles no violão vagabundo. Coisa de bairro de uma gente humilde, trabalhadora e seus filhos ansiosos por ebulição. Edinho: Pra nós, a Vila nunca deixou de ser o máximo. Tinha tudo o que a gente sonhasse ter. Nos tempos do Liver, então, o Menino Deus (bairro mais central da cidade) já era o fim-do-mundo… Sempre que a gente pôde, voltou pra Vila.
São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila do IAPI dá rock.
A estréia nacional do Bixo, no tal Festival da Praia do Leste, não podia ter sido melhor. O público era dificílimo. Premiava com generosas quantidades de areia o desempenho das bandas participantes. E olha quem eram as bandas: O Terço, O Som Nosso de Cada Dia e Rita Lee & Tutti Frutti. Apenas o melhor do heróico rock brasileiro dos anos 70. Todos praticamente soterrados sem dó nem piedade por toneladas de areia voadora.
Nossos guris sobem no palco totalmente… …como direi… …cagados.
Só que quinze minutos de fúria rocker depois, a rapeize do beise tava domada. E o show, ganho.
O segredo era simples: ao invés do pop-rock tropicalista e elaborado que faziam no Liverpool, o Bixo era inequivocamente rock’n’roll. Ainda que com vôos progressivos bem ao estilo das bandas inglesas da época, o negócio era rock, alçando vôo na guitarra de Mimi, bem cozinhado por Marcos e Edinho (que segue sendo um dos melhores bateristas de rock do Brasil) e com um espetacular performer: Fughetti Luz. Que sabia aproveitar muito bem a imagem de sátiro de longos cabelos, barba considerável e uma postura de palco que parecia ignorar as visíveis seqüelas de uma paralisia infantil. Pandeiro na mão, Fughetti pulava ensandecido pelo palco.
Só que agora as coisas não eram mais tão desencanadas. Definitivamente, mais ninguém ali era criança – nem Edinho. Vários já tinham família e casa pra sustentar. Além disso, é bom lembrar: nenhuma banda de rock tinha lá grande mercado nesses anos heróicos. Até pros Mutantes tava ruim e eles também tinham feito um caminho parecido, saindo da invenção tropicalista pra semi-clonagem do rock progressivo inglês da época.
O público roqueiro de então era fidelíssimo, mas muito pequeno. E composto basicamente de malucos movidos a chá de cogu, sonhando com Woodstock. Mídia ou programa na TV Globo como nos tempos do Liverpool, nem pensar.
Aí foi aquilo: o Bixo fez fama nos festivais de rock. Arrasou na abertura das Rodas de Som organizadas pelo velho chapa Carlinhos Hartlieb em Porto Alegre, no ano de 75. E dividiu palcos nacionais com os maiores artistas do gênero de então – de Raul Seixas e Rita Lee a O Terço e Made in Brazil. Mas ficou, como a imensa maioria do rock da época, a quilômetros de distância do efetivo showbizz. E olha que tentaram. Apelaram até pro banho de butique, num clima Glam Rock e quem conhece os caras já ri só de imaginar.
Mas pelo menos conseguiram contrato pra gravar um disco. O que, segundo alguns, só piorou a situação.
O LP foi lançado originalmente pela Phonodisc em março de 76, reeditado em vinil nos anos 80 e prometido para CD em 2003. E, segundo os próprios caras, que unanimemente não gostam do resultado, é uma pálida imagem do que era o Bixo ao vivo. Um dos maiores problemas era o técnico, um americano importado pela gravadora, que falava tanto de português quanto eles de inglês: nada. E cuja única credencial era: trabalhou em Woodstock. Fazendo o quê, ninguém sabia. Podia ser até vendendo bata de batik.
Mas muita gente não concorda. Teve quem adorasse o disco, e seguisse gostando até hoje. Afinal, ele tem uns instrumentais viajandões bem bacanas, e com aqueles compassos quebrados tão ao gosto dos rapazes – como Vênus e Sete de Ouro (parcerias com o baterista e compositor Vinícius Cantuária). Também tem rocks básicos 70´s assinados por toda a banda, como a própria Bixo da Seda ou Um Abraço em Brian Jones. E parcerias de Mimi e Fughetti que, nessa época, assinava Fuguett -, como as totalmente fughettianas Já Brilhou e Trem, com aquelas letras hippies repletas de mística rocker que vão ter uma penca de herdeiros no rock gaúcho dos anos 80.
Lançam o disco, que vende pouco como vendiam pouco todos os discos de rock que não fossem de Rita Lee ou Raul Seixas. E seguem com shows em Porto Alegre e no Rio, mas que não são suficientes pra manter as contas em dia. Mesmo indo dos bailes blacks dos subúrbios cariocas ao Teatro Leopoldina, em Porto Alegre, pra garantir o leitinho das crianças tinham de fazer uns bicos como banda de apoio de outros. E chegam até a gravar uns jingles. Mas aí é demais pra Fughetti.
Que se bandeia de volta pra sua terrinha.
Deviam ter acabado ali, mas não o fizeram. E duraram mais do que deviam. Em 79, quando as garçonetes da discoteca do Nelson Motta estouram em todo o país como As Frenéticas, quem reparasse bem – mas bota reparar nisso – podia notar que, fantasiada de astros disco, a banda de apoio era um trio que antigamente se chamava… Bixo da Seda. Aqueles mesmos rapazes lá do Liverpool, que haviam sido produzidos pelo mesmo Nelson Motta poucos anos antes…
O sonho, definitivamente, tinha acabado.
Em 81, também como banda de apoio, fazem uma brilhante participação no disco de estréia de Bebeto Alves. Uma última e melancólica tentativa de retomada ainda é feita entre 84 e 85, animada pela explosão do novo rock brasileiro. Nela estão Mimi, Marcos e Edinho, mais o maior guitarrista gaúcho da geração seguinte a eles: Zé Flávio, que vinha de tocar com os Almôndegas e Kleiton & Kledir. Nos vocais, primeiro tentam um sujeito chamado Vidigal, depois chamam um iniciante porto-alegrense discípulo de Fughetti: Alemão Ronaldo, já então líder da nascente Bandaliera, assumidamente inspirada no Bixo.
Não deu em nada.
Aí acabam de vez.
Até hoje o som peculiar das bandas do IAPI tem fãs espalhados pelo País. O ex-tecladista Renato Ladeira lembra: Os caras tocavam ritmos completamente quebrados com uma naturalidade de quem estava no compasso mais banal do mundo. Isso e as harmonias complexas de Mimi espantavam muito o pessoal do rock. João Baptista, que na época do Bixo tocava baixo nos Almôndegas, e nos tempos do Liverpool era quase uma criança, completa: A época era de Mutantes, e o Liver estava muito à frente deles em termos de harmonia. Foram o melhor grupo que o Estado já teve.
A partir daí, cada um foi cuidar da sua vida.
Edinho tocou com muita gente boa da MPB e do rock como Nana Caymmi e Francis Hime voltou pra sua Porto Alegre no final da década de 80 e seguiu acompanhando muita gente boa da MPB e do rock, só que numa esfera mais local…
Marcos seguiu no Rio, foi tocar com Erasmo Carlos, depois montou uma produtora e também começou a trabalhar nos bastidores da política com o velho amigo Zé Vicente Brizola.
Mimi também ficou no Rio, onde criou em 85 a lendária Orquestra de Guitarras por onde passaram gente como o velho chapa Zé Vicente Brizola, Torquato Mariano, o tecladista Fernando Moura e o baterista Charles Chalegre. E vêm fazendo há muito tempo performances com o poeta Chacal além de vários trabalhos como free-lancer.
Já Peko nunca mais foi o mesmo. Num caminho cada vez mais parecido com o de Syd Barrett, passou a beber com tanto empenho que se isolou num sítio na Estrada de Viamão só pra isso. E lá morreu, detonadíssimo, em meados da década de 90.
E aí Fughetti.
Bom…
Fughetti voltou pra Porto Alegre definitivamente em 1980. Logo achou um amplo porão de uma casa com um grande pátio, num bairro distante, na Zona Norte. E, a partir dali, onde morava e tinha uma serigrafia, começou a criar um grupo de agregados em torno de si. Como compunha cada vez mais, se dedicou a abastecer o repertório de sucessivas bandas que iam se formando numa espécie de rescaldo do Bixo: Bandaliera, Guerrilheiro Anti-Nuclear e a novo-hamburguense Barata Oriental.
É dele um dos primeiros hits do rock gaúcho dos anos 80: Rockinho, que havia surgido ainda nos tempos do Bixo, mas fez sucesso mesmo foi com o Taranatiriça, em 84. A partir daí, passa a fazer uma participação especial meio fixa nos shows da Bandaliera, cujo repertório era praticamente todo composto por ele, com hits como Campo Minado. A parceria durou quase dez anos, até que, em 93, brigaram. E feio. Tanto que nenhum dos lados ficou a fim de que a banda seguisse tocando suas canções. Mas não importava, porque ele já tinha montado o Guerrilheiro Anti-Nuclear, banda formada por alguns dos moleques que tinham meio que se criado à sua volta, ali na casa. E da qual ele não participaria, mas cujo repertório era todo composto por ele. Mas na verdade, eles gravam um único disco e acabam pouco depois.
A partir daí, Fuga resolve assumir totalmente a condição de artista solo. Faz poucos shows um deles ao lado de Edinho, Marcinho Ramos (o guitarrista da Bandaliera) e o baixista Zé Natálio, abrindo pro Deep Purple no Ginásio Gigantinho, em 93. E no começo do novo milênio Era da Aquarius, saca? – vai morar no interior do Estado, em busca de mais natureza e recolhimento espiritual.
Mas, antes disso, lança dois discos independentes, bancados pelo Fumproarte da Prefeitura de Porto Alegre e produzidos por outro ex-Bandaliera: o guitarrista, vocalista e compositor Duca Leindecker. O primeiro se chama simplesmente Fughetti Luz e saiu acompanhado de um songbook-biografia escrito pelo jornalista Gilmar Eitelvein – e que omite, a pedidos, várias passagens mais escabrosas da biografia do amigo. O segundo, Xeque-Mate, é de 2002. Em ambos, o cara confirma sua fé na Era de Aquarius, e em rocks básicos de melodias e harmonias infinitamente simples, muitíssimo distantes dos tempos de Bixo e Liverpool. E confirma um fato ímpar: é, para o bem e para o mal, o último hippie sobre a terra:
Eu permaneci hippie porque é desta forma que eu vivo, penso e sinto, porque minha liberdade é paz & amor. (…) Hippie desdobra, não fica de bicão, toca uma canção por um prato de comida, alegra as pessoas que estão tristes pelas ruas, dá um sorriso, traz uma flor, põe um som na roda e não fala bobagem. Não existe mais hippie autêntico hoje em dia, acho que por aqui estou só.
PS – E não dá pra fechar sem falar no espetacular e único show que reuniu a banda em 96, dentro da programação de reabertura do mesmo Auditório Araújo Vianna que haviam incendiado 20 anos antes. O espetáculo teve abertura do guitarrista Frank Solari e participação especial da Banda Marcial do Colégio Santa Catarina, da cidade metropolitana de Cachoeirinha. O Araújo tava hiperlotado de gente que, na sua imensa maioria, só conhecia o Bixo de lenda. E o mundo veio abaixo. Tava comprovado ali que os caras realmente eram foda. Históóóórico!
Arthur de Faria é jornalista e músico no Rio Grande do Sul.