Depois do Show de ontem , fiquei na obrigação
Greetings from Asbury Park, NJ – 1973
A estreia
oficial de Bruce Springsteen, apesar de elogiada pela crítica, passou batida
pelo público. Enquanto “Greetings from Asbury Park, NJ” vendeu 25 mil cópias em
1973, “Houses of The Holy”, do Led Zeppelin, teve 11 milhões de exemplares
vendidos no mesmo ano. John Hammond, que descobriu Bob Dylan, queria
transformar Springsteen no novo ídolo folk, e tentou convence-lo a gravar um
álbum inteiramente acústico, mas Bruce e seu então manager Mike Appel decidiram
alugar um estúdio vagabundo e registrar eles mesmos as canções (o que, de certa
forma, explica o som embolado do álbum) evitando a má influência da gravadora.
Após apresentar o material (e Hammond salientar sua preferência) ficou decidido
que “Greetings from Asbury Park, NJ” seria dividido em dois sets de cinco
canções: um com a E Street Band (super-banda que acompanha Bruce até hoje) e
outro voz e violão – este segundo set acabou reduzido à intensa “Mary Queen of
Arkansas” (uma das grandes canções do álbum é sobre uma personagem que poderia
frequentar a letra de “Walk on The Wild Side”, de Lou Reed). Sob pressão do
chefão da gravadora, que não via nenhum single entre o material gravado, Bruce
deixou três canções de lado e gravou duas novas, “Blinded by the Light”, com
uma guitarrinha reggae até a entrada da E Street Band consolidando uma
sonoridade que Bruce elevaria a perfeição em discos posteriores, e a grande e
arrepiante balada soul “Spirit in the Night”. Destacam-se ainda a rebelde
“Growin’ Up” e “It’s Hard to Be a Saint in the City”, as duas gravadas por
David Bowie (a primeira nas sessões do álbum “Pin Ups”, de 1973, e a segunda
lançada em 1975), em um repertório de boas canções, e produção desleixada.
The Wild, the Innocent & the E Street
Shuffle – 1973
Gravado no mesmo
estúdio de segunda categoria em que boa parte de “Greetings from Asbury Park,
NJ” foi registrado, “The Wild, the Innocent & the E Street Shuffle” mostra
uma sensível evolução tanto na produção, que consegue separar melhor os
instrumentos, como no entrosamento da E Street Band em estúdio, com longos
improvisos e uma sonoridade soul (intensamente influenciada por Van Morrison)
que soa uma sequencia de “Spirit in the Night”, uma das últimas faixas gravadas
para o disco anterior. Nessa época, Bruce Springsteen já era conhecido por
fazer shows bombásticos, e, embora o disco tenha sido novamente aclamado pela
crítica, os elogios não se converteram em sucesso. Ainda assim, é em “The Wild,
the Innocent & the E Street Shuffle” que o saxofonista Clarence Clemmons e
o tecladista David L. Sancious colocam as manguinhas de fora, criando uma massa
sonora impactante para as belas canções do álbum – são apenas sete faixas, três
delas acima dos 7 minutos, e uma com quase 10 de duração. “The E Street
Shuffle” abre o álbum suingando enquanto Bruce posa de cronista das ruas
nova-iorquinas observando Little Angel comandar todos os garotos da redondeza
como se os hipnotizasse. “4th of July, Asbury Park (Sandy)” é uma balada épica
e romântica que se transformou em um hino para os fãs ao lado da intensa
“Rosalita (Come Out Tonight)”, ambas possivelmente escritas para a namorada de
Springsteen na época, Diane Lozito. Bruce arrebenta no solo do blues soul
“Kitty’s Back” enquanto “Wild Billy’s Circus Story” é a porção Dylan do disco.
Born To Run – 1975
Em 1973, Bruce
havia lançado dois álbuns (um em janeiro, outro em setembro), e só obtivera
elogios da crítica. O fracasso comercial dos dois discos fez com Bruce
decidisse dedicar um tempo maior àquele que seria seu terceiro álbum. A longa
espera (14 meses – seis deles gastos apenas na lapidação da faixa título) fez
com que seu produtor até então, Mike Appel, abandonasse o barco. Para o lugar,
Jon Landau, jornalista da Rolling Stone, foi chamado, e levou Bruce para um
estúdio melhor, o Record Plant. Se seus dois primeiros álbuns são exemplos de
um artista caminhando no deserto em busca de sua musicalidade – com influências
devotas e explicitas de Bob Dylan, Van Morrison e The Band –, “Born To Run” é
Bruce alcançando a Terra Prometida. Sob uma base de gaita e piano, “Thunder
Road” abre o álbum com o interlocutor observando sua Mary dançando uma canção
de Roy Orbison, e a convida para fugir com ele: “Está é uma cidade cheia de
perdedores e eu estou pulando fora daqui para vencer”, diz a letra de uma das
melhores canções de abertura de um álbum na história. O single “Tenth Avenue
Freeze-Out”, a explosão de “Night” e a grandiosidade dos arranjos de
“Backstreets” e “She’s the One” são exemplos práticos do avanço de Bruce em
relação aos álbuns anteriores (principalmente na produção), mas é com “Born To
Run”, a poderosa faixa título (ainda produzida por Mike Appel no mesmo estúdio
tosco dos dois primeiros álbuns), que ele alcança seu melhor resultado como
cronista de uma juventude perdida em meio ao sonho americano.
Darkness On The Edge Of Town – 1978
Após o sucesso
de “Born To Run”, Bruce estava pronto para entrar em estúdio em 1976 e gravar o
novo álbum, mas desentendimentos com Mike Appel o fizeram afastar o empresário
e efetivar Jon Landau. Não satisfeito, o ex-empresário, que detinha os direitos
das canções de Bruce até então, entrou com um mandado judicial o proibindo de
trabalhar com Landau e, inclusive, de entrar em estúdio. Bruce respondeu
juridicamente alegando fraude, abuso de confiança e influência indevida de Mike
Appel. O processo se arrastou por três anos em que Bruce frequentou mais
tribunais que palcos. Esse período desgastante fez Bruce amadurecer na marra, e
“Darkness on the Edge of Town” é o retrato desta fase. Bruce compôs mais de 70
canções no período de abstinência, e gravou 52 nas sessões de “Darkness on the
Edge of Town”, selecionando 10 para o álbum (outras 22 foram lançadas em 2010
no duplo “The Promisse”). “Darkness é sobre pessoas se recusando a abrir mão de
sua humanidade”, explicou Bruce ao jornalista Tony Parsons. Denso, melancólico
e menos comercial (as palavras “Trevas” e “Escuridão” aparecem em seis das 10
faixas) que “Born To Run”, “Darkness” abre com o hino “Badlands”, e Bruce joga
as cartas na mesa: “Estou com minha cabeça explodindo, Esmagando minhas tripas,
cara / Estou preso num fogo cruzado que não entendo / Mas tem uma coisa que
tenho certeza, garota / Eu não tô nem aí para os que ficam em cima do muro”.
“Promise Land” (irmã de “Badlands”) é outra com Bruce olhando nos olhos do
inimigo e dizendo que irá seguir em frente. Na balada melancólica “Something in
the Night”, ele reflete que é melhor seguir como nasceu, sem nada, pois “assim
que você consegue alguma coisa, alguém aparece para tentar tirar de você”
enquanto na bela “Racing in the Street”, o interlocutor pede para sua garota
esquecer os sonhos partidos ao menos por uma noite. “Factory” foca nos homens
cansados (e “com morte nos olhos”) após um dia de trabalho e em “Streets of
Fire” ele conta que só tem conversado com pessoas estranhas. Uma das canções
mais emblemáticas do álbum, “Prove It All Night” abre com Bruce dizendo que
está trabalhando duro e fazendo o possível para continuar com as mãos limpas. O
Bruce que o mundo viria a admirar nasce em “Darkness on the Edge of Town”.
Dolorido e obrigatório.
Pièce de Résistance (1978) – Live ( 3 cds )
The River – 1980
As cicatrizes
ganhas durante o período conturbado de “Darkness on the Edge of Town” mudariam
Bruce para sempre. O olhar adolescente da primeira fase daria lugar a uma
consciência social que exibe suas garras em “The River”, e se expandirá em
discos seguintes (como “Born In The USA”, “The Rising” e “Wrecking Ball”). A
ideia inicial era lançar um disco simples, que tinha o nome provisório de “The
Ties That Bind” e contava com algumas das (dezenas de) canções que ficaram de
fora do álbum anterior. Porém, conforme Bruce foi trabalhando em estúdio e os
Estados Unidos entravam em uma séria recessão (que abalou o mercado de
construção, colocando centenas de milhares de trabalhadores na rua), o álbum
tomava um novo rumo. O cerne do álbum duplo (com 20 músicas) que chegou às
lojas em outubro de 1980 é a faixa título, que conta a trajetória (tão comum)
de um rapaz (desempregado) que engravidou a namorada Mary e teve que se casar
aos 19 anos. “The River”, o disco, combina o lado explosivo de “Born To Run”
com a veia reflexiva de “Darkness”. O chefão critica as pessoas que escolhem
viver na solidão (“The Ties That Bind”, “Two Hearts” e “Out in the Street”),
emociona ao narrar a partida de um filho da casa do pai que nunca o entendeu
(“Independece Day”), filosofa sobre sonho e realidade (na dolorida e belíssima
“Point Black”) e se choca ao presenciar um acidente na estrada (“Wreck on the
Highway”). Certa noite encontrou Joey Ramone, que o pediu uma canção para sua
banda. Ele então compôs “Hungry Heart” na madrugada, mas seguindo orientação de
seu produtor, decidiu guardar a canção (ele já havia “dado” “Because The Night”
para Patti Smith, “Fire” para o Pointer Sisters, e “Blinded by the Light”, para
o Manfred Mann’s Earth Band – as três entraram no Top 20 da Billboard, posição
que Bruce ainda não tinha alcançado sozinho). Em outubro de 1980, “Hungry
Heart” chegou ao número 5 do ranking da Billboard, tornando-se o primeiro
grande sucesso de Bruce, e até hoje um dos grandes momentos de shows do cantor.
Nebraska – 1982
Após a recessão
do governo Jimmy Carter, os Estados Unidos viviam um momento de expectativa com
Ronald Reagan e seu ousado plano econômico. O país que Bruce via em suas
andanças de turnê, no entanto, era bem diferente, e “Nebraska” é um retrato
perfeito do período. Bruce gravou o álbum todo sozinho em um pequeno estúdio
portátil de quatro canais (que se transformaria em objeto de culto para a cena
lo-fi posteriormente), tocando guitarra, violão, gaita, bandolim, pandeiro e
órgão. As (até então) demos foram levadas para a banda em estúdio, que preparou
os arranjos e gravou as novas canções. Porém, comparando as versões acústicas
com as elétricas, Bruce optou por lançar a versão lo-fi que ele havia gravado
em sua própria casa. A opção valoriza um grupo de letras cujos personagens,
criminosos e pessoas desesperadas, compõe um retrato brutal dos Estados Unidos.
Na faixa título, que abre o álbum, Bruce relembra a história real do casal
Charles Starkweather (17 anos) e Caril Ann Fugate (14), responsável por 11
assassinatos entre 1957 e 1958: “Eu e ela saímos para um passeio / e 10 pessoas
inocentes morreram”, diz a letra. Em “Atlantic City”, um casal planeja fugir de
mafiosos. Em “Johnny 99” ,
um trabalhador é despedido, toma um porre e acaba matando um homem. A
condenação do júri: 99 anos de prisão. “State Trooper”, por sua vez, é sobre
suicídio. Não espere alegria. Não há. Apesar de não repetir o êxito comercial
dos discos anteriores,
Born in the USA – 1984
Álbum que
apresentou Springsteen ao mundo (pouco antes de “We Are the World”), “Born In
The USA” já estava praticamente gravado desde 1982, mas só chegou às lojas em
1984. Se “Nebraska” era marcado por uma visão aterradora dos Estados Unidos,
“Born in the USA” exala otimismo (encharcado de cinismo) em relação ao país de
Reagan. A influência do tecnopop vigente na época contribuiu na sonoridade pop
rock do disco sem prejudicar a pegada encorpada da E Street Band, e 15 milhões
de norte-americanos foram às lojas atrás do álbum. O cinismo afiado da
faixa-título, que questiona o tratamento do governo para com os veteranos do
Vietnã, passou batido por muitos, que, focados no refrão, tomaram a canção como
um elogio à vida norte-americana (enquanto a letra, crava: “Sob a sombra da
penitenciaria / Ou perto das chamas de gás da refinaria / Estou há 10 anos sem
rumo / Nada para fazer, nenhum lugar para ir: Nasci nos Estados Unidos”,
provoca Bruce). Estes também não entenderam “Glory Days”, com sua batida
rancheira e letra que elogia o passado em confrontação ao presente infeliz. A
poderosa “Downbound Train” narra o fim de um romance após a perda do emprego
enquanto “No Surrender” dá o recado: “Aprendemos mais com uma canção de três
minutos do que jamais aprenderemos na escola”.
Live, 1975/1985 (1986) – 3 cds
Tunnel of Love – 1987
Após a festa do
sucesso de “Born In The USA” veio a ressaca com “Tunnel of Love”. No quesito
musical, a E Street Band é desfeita (eles só irão se reunir para gravar um
disco no século seguinte) e Bruce assume o controle do álbum usando bateria
eletrônica e sintetizadores (com um ou outro membro da banda trabalhando
separadamente em algumas das faixas). No quesito pessoal, o casamento de Bruce
com a atriz Julianne Phillips, oficializado em maio de 1985, estava indo pro
buraco pouco menos de dois anos depois, e “Tunnel of Love” é praticamente um
acerto de contas com o matrimônio, uma tentativa de salvar um casamento com um
disco. Logo na faixa de abertura, “Ain’t Got You”, Bruce diz que tem toda sorte
de dinheiro e ouro, títulos bancários, caviar, mas não o amor de sua garota. Em
“Tougher Than the Rest”, o interlocutor promete: “Talvez seus outros namorados
/ não tenham passado no teste / se você estiver preparada para o amor / serei
mais forte que eles”. A faixa título explica, com simplicidade tocante, o amor:
“Deveria ser fácil, deveria ser simples / Homem encontra uma mulher e eles se
apaixonam / Mas a casa é assombrada e o passeio fica difícil”. A grande canção
do álbum é “Brilliant Disguise”, balada acelerada de partir o coração: “Agora
você interpreta a mulher apaixonada / E eu, o homem fiel / Nós ficamos de pé no
altar / A cigana jurou que nosso futuro estava ok / Mas então vêm os pequenos
momentos / Bem, talvez a cigana tenha mentido”. Poucos meses depois do álbum
lançado (número 1 nos EUA), Julianne Phillips pediu o divórcio. Vão se os
anéis, ficam as canções de um disco confessional e bonito.
Chimes Of Freedom (1988) - Live
Human Touch / Lucky Town – 1992
Cinco anos após
“Tunnel of Love” e seis meses após o Guns n’ Roses lançar dois álbuns ao mesmo
tempo (“Use Your Illusion I” e “Use Your Illusion II”), Bruce Springsteen
retorna ao cenário pop também com dois álbuns simultâneos lançados no mesmo dia
e com a arte da capa parecida. Ele havia se mudado para Los Angeles e usou
músicos de estúdio nas gravações dos dois álbuns. “Human Touch”, o primeiro,
traz três melodias do pianista Roy Bittan, que Bruce gostou e decidiu colocar
letra, uma recriação de uma canção de Sonny Boy Williamson (”Cross My Heart”) e
um número tradicional (”Boy Pony”). O Chefão soa confiante e as canções são
alegres, pra cima. A temática das letras resvala em temas caros ao compositor
(trabalho, carros, felicidade), mas o resultado é um belo grupo de canções que
não faz frente ao repertório pré “Born in the USA”. Após uma pausa nas
gravações de “Human Touch”, Bruce retornou ao estúdio em 1991 para gravar mais
uma canção para o álbum, “Living Proof”, e acabou gravando 10. Nascia o irmão
gêmeo, “Lucky Town”, um disco mais despojado e direto. Em “Better Days” ele diz
que está voltando pra casa enquanto a pungente “Book of Dreams” traz o noivo
admirando a noiva no dia do casamento. A sensação, como em boa parte dos álbuns
duplos, é que o repertório teria muito mais força se Bruce tivesse se
concentrado em metade das 24 canções, mas o real valor da dobradinha “Human
Touch” / “Lucky Town” é manter o compositor na ativa.
In concert, MTV Plugged (1993)
Satans Jewel Crown (1993) – Live
The Ghost of Tom Joad – 1995
Como seria
“Nebraska” se fosse gravado em um estúdio de verdade? “The Ghost of Tom Joad” é
a resposta. Se por um lado, a segunda incursão de Bruce Springsteen pelo folk
tradicional quebrou uma sequencia de oito discos Top 5 da Billboard (alcançou
“apenas” a 11ª posição em vendas), por outro marca a retomada de qualidade após
três discos medianos (para o padrão Bruce). Tom Joad é o protagonista do livro
(adaptado para o cinema) “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck, e, assim como
em “Nebraska”, os temas são sombrios focando personagens desesperados tentando
sobreviver na América. Não é nada fácil. Na faixa título, que abre o álbum, a
letra avisa que “famílias dormem nos seus carros / sem casa, sem trabalho, sem
paz, sem descanso”. Tanto “Youngstown” quanto “Galveston Bay” revisitam a
temática do abandono dos veteranos de guerra na canção “Born in the USA”, mas
de forma séria (“Enviamos nossos filhos para a Coréia e o Vietnã / E agora nós
nos perguntamos pelo que eles estão morrendo”, diz a letra da primeira)
enquanto “Across the Border” e “Sinaloa Cowboys” foca nos mexicanos que tentam
atravessar a fronteira em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos (“Eu
construirei uma casa para você / No topo de uma colina coberta de grama / Em
algum lugar do outro lado da fronteira”, diz a sonhadora “Across the Border”).
“The New Timer” guarda parentesco com a canção “Nebraska” enquanto “My Best Was
Never Good Enough”, a faixa de encerramento, caçoa de ditados populares (e de
“Forrest Gump”) num disco que merece ser redescoberto.
Blood Brothers (1996)
Before the Fame (1999)
Live in New York City (2001)
The Rising – 2002
Semanas após o
ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, Bruce Springsteen (que havia
completado 50 anos em 1999) já tinha composto 11 das 13 canções de “The
Rising”, álbum que quebrava um silêncio de sete anos sem material original e
reunia a E Street Band 18 anos depois dos dias gloriosos em que Bruce dançava
no escuro nos anos 80. Não à toa, “The Rising” é um irmão distante de “Born In
The USA”. Nas letras, o assunto são os atentados, e Bruce passa longe do
populismo sem sentido e do patriotismo pomposo ao contar histórias simples de
pessoas simples. “Lonesome Day” abre o disco contando a história de um bombeiro
em um dia solitário. “Into The Fire” tem levada folk, voz rasgada e letra
comovente: “Que sua força nos de força / Que a sua fé nos de fé / Que a sua
esperança nos de esperança / Que seu amor nos de amor”. Já a tocante “Waitin’On
A Sunny Day”, maior hit de Bruce nos últimos 20 anos, clona “Glory Days”,
provavelmente intencionalmente. Se a segunda debochava da época Reagan
relembrando outros dias gloriosos, “Waitin’On A Sunny Day” sugere a inocência
de quem apenas espera por um dia ensolarado. “The Nothing Man” (de clima
semelhante a “Secret Garden”) visualiza uma cidade inalterada após o atentado e
arrepia no refrão enquanto “Countin’ On A Miracle” traz guitarras mais pesadas
destacando a produção cuidadosa de Brendan O’Brien (Pearl Jam, Stone Temple
Pilots, Korn) que parece ter sido escolhido visando atualizar o som “Bruce”
para a molecada. Foge do clima Springsteen básico a estranha “Worlds Apart”,
com longa introdução world music até se definir num rockão de estádio. Para
fechar o álbum, uma grande canção: “My City of Ruins”.
Devils & Dust – 2005
Décimo terceiro
álbum da carreira de Bruce, e terceiro de pegada acústica, “Devils & Dust”
é praticamente uma limpeza no baú do compositor. A maioria das canções foi
composta em quartos de hotel em 1997, ao final da turnê de “The Ghost Of Tom
Joad”. A mais antiga, “All The Way Home”, data de 1991. Já a faixa-título foi
escrita em 2003, após o início da guerra do Iraque, e traz o ponto de vista de
um jovem soldado buscando um sentido para tudo aquilo: “Estou com o dedo no
gatilho / mas não sei em quem confiar”. “Reno” narra o episódio em que um rapaz
se encontra com uma prostituta – e as referências sexuais fizeram o disco
ganhar uma tarja de conteúdo para adultos, mais comum em álbuns de rap. “Silver
Palomino” e “Long Time Comin’” são bonitas odes à juventude (e a segunda à
esperança também). A sonoridade não chega a ser esquálida como as de “Nebraska”
e “The Ghost Of Tom Joad”. O folk está lá, com melodias simples, o violão, uma
gaitinha esperta e o piano habitual. A influência de seus velhos gurus, Woody
Guthrie, Hank Williams e Dylan, também – o último vem a mente na balada “Jesus
Was An Only Son”, que remete a “If You See Her, Say Hello”. Springsteen, porém,
fortalece o som com órgãos, cordas discretas em segundo plano e até com uma
cítara (em “Reno”). Arrisca um namoro tímido com seu lado rocker em “All The
Way Home” e “Long Time Comin’”, flerte que dissipa um pouco a aridez do álbum,
mas não é um voo elétrico tão alto quanto os dos discos com a E Street.
We Shall Overcome The Seeger Sessions -
2006
Primeiro álbum
da carreira de Springsteen inteiramente composto por versões, “We Shall
Overcome The Seeger Sessions” começou a nascer em 1997, quando o Chefão foi
convidado para participar de um álbum tributo a Pete Seeger, um dos maiores
nomes da canção de protesto nos Estados Unidos. Ao pesquisar o repertório de
Seeger, Bruce ficou encantado e começou a divertir-se tocando em casa as velhas
canções de protesto do mestre. Em 2006, por intermédio de Soozie Tyrell,
violonista da E Street Band, Bruce começou a ensaiar um set list de canções de
Pete Seeger com um grupo desconhecido de músicos, e o resultado se mostrou tão
positivo que Bruce decidiu registrar como um álbum. O clima das sessões de Pete
Seeger remete a uma jam ao vivo em estúdio, e mais parece uma reunião de amigos
que se junta para cantar umas canções tradicionais em uma autentica festa
country/folk (politizada). “Old Dan Tucker”, canção tradicional registrada em
1843, abre o álbum com a voz forte de Bruce sobre uma base deliciosa de banjo.
A arrepiante “O Mary Don’t You Weep” é um spiritual datado de 1915, e que
muitos críticos definem como uma canção de esperança e resistência escrava. Uma
segunda edição do álbum acrescentava cinco novas canções às 13 editadas
anteriormente, destacando a empolgante valsa irlandesa “American Land”. Faça
uma festa em casa e deixe esse disco tocando. Diversão garantida.
Magic – 2007
Brendan O’Brien
volta a assinar a produção em um álbum que soa como uma continuação melódica de
“The Rising” (que, por sua vez, era quase um “Born In The USA” 2), sem soar
diretamente tão político quanto seus álbuns gêmeos (embora soe mais sombrio).
“Radio Nowhere” abre o disco de forma acelerada e empolgante. O som das
guitarras é sujo, mas cristalino, e serve para dar corpo a uma canção que clama
por outras do mesmo quilate: “Eu quero mil guitarras / Eu quero baterias
martelando / Eu quero um milhão de vozes diferentes“. Mais duas canções seguem
por este mesmo caminho: “You’ll Be Comin’ Down” (com piano a frente das
guitarras que fazem um riff circular por trás) e “Last to Die”, com cordas na
introdução abrindo caminho para uma porrada musical que tem a guerra como tema
(“Quem será o último a morrer por um erro”, diz a letra). A romântica “I’ll
Work for Your Love” traz boas guitarras, vocação pop rock de estádio, mas fica
no grupo das canções menores do álbum. “Livin In The Future” se sai melhor: é
dançante e destaca o reconhecível sax de Clarence Clemons. “Girls in Their
Summer Clothes” é uma balada ensolarada enquanto “Gypsy Biker” começa com
violão e gaita para virar um rockão portentoso lá pelo meio. “Long Walk Home”
segue a linha de “Gypsy Biker” (com percussão no lugar da gaita) e também
inspira. As duas canções falam sobre voltar pra casa depois da guerra. Para o
final, o único folk “folk mesmo” de todo o repertório, “Terrys Song”, dedicada
ao amigo Terry Magovern, morto naquele ano, e que versa sobre maravilhas do
mundo (as Pirâmides do Egito, a Capela Sistina, a Mona Lisa, o amigo falecido)
e conclui que o amor é maior do que a morte. “Magic” (outro álbum nº 1) soa
como um álbum em que Bruce tenta esconder a melancolia sobre uma produção
encorpada, e é um bom disco, ainda que menos impactante que os demais dos anos
00.
Working On a Dream – 2009
Mais esperançoso
e menos sombrio que o disco anterior, “Working On a Dream” traz outra vez
Brendan O’Brien na produção, e é a prova que o chefão chegou num ponto da
carreira em que – assim como Elvis Costello e Neil Young – tudo que toca vira
ouro. Porém, este décimo-sexto disco é o menor em tempos de álbuns ótimos como
“The Rising” (2002), “Devils & Dust” (2005) e “The Seeger Sessions” (2006).
Não é que “Working On a Dream” seja um disco ruim: o nível que é alto. “Outlaw
Pete” (que poderia ter metade do tempo) abre o álbum de forma épica enquanto
“What Love Can Do” é, provocava Bruce, “o amor nos tempos de George W. Bush”:
“Querida, eu não posso parar a chuva / Ou transformar esse céu escuro em azul /
Bem, deixe-me mostrar-lhe o que o amor pode fazer”. A alegre “This Life”, a
esperançosa faixa título e “The Wrestler”, tema do filme “O Lutador” (2008), de
Darren Aronofsky, valem seu sorriso, mas no computo geral, “Working On a Dream”
sinaliza cansaço – ou mesmo falta de assunto. Se esse era o problema, uma crise
financeira mundial (e que abalou severamente os Estados Unidos) colocaria a
carreira de Bruce nos eixos novamente.
The Promise (2010)
Wrecking Ball – 2012
Bruce inspira-se
nos eventos da crise financeira para lançar seu melhor disco desde “The
Rising”. “We Take Care of Our Own”, o primeiro single, é uma “Born In The USA”
acelerada em que o cantor acusa o governo de não ajudar as pessoas (uma crítica
feroz ao “american way of life”, que proclamou o capitalismo com uma religião
que não perdoa os fracos). Bruce toca guitarra, banjo, piano, teclado,
percussão e bateria eletrônica enquanto uma seção de cordas (de oito violinos,
três violas e dois violoncelos) faz a melodia grudar na memória (e ecoar em
estádios). Um coral soul surge em “Easy Money” para levar aos céus o
personagem, que, como um pirata pronto para saquear, “está indo para a cidade
em busca de dinheiro fácil”. Em “Shackled and Drawn” (da frase “Liberdade é uma
camisa suja”), Bruce se entrega ao soul (que ecoa em todo o álbum) e cita
“Street Fight Man”, clássico dos Stones. A melancólica “Jack of All Trades”
traz Tom Morello na guitarra solo, uma seção de sopros extremamente lírica e
uma letra que diz que os banqueiros fazem o que sempre fizeram (engordar), e ameaça:
“Se eu tivesse uma arma, eu iria atrás dos bastardo”. Na emblemática marcha
celta “Death to My Hometown”, ele diz: “Nenhuma bomba caiu do céu. Foram os
ladrões gananciosos que trouxeram a morte para a minha cidade natal”. A
baladaça “This Depression” traz novamente Tom Morello, agora na guitarra
climática, enquanto a faixa título e “Land of Hope and Dreams” trazem o velho
parceiro Clarence Clemons (morto em 2011) no sax. “You’ve Got It” e “Rocky
Ground” surpreendem pela simplicidade do arranjo (a primeira ainda destaca uma
letra bonita), e ratificam a aura soul que permeia todas as canções do álbum (e
se estendem de forma surpreendente nos shows da turnê). A sensação é de que
Bruce não desperdiça um segundo de sulco em “Wrecking Ball”, um álbum crítico que
retrata o lado podre das pessoas em arranjos suntuosos.
Senha dos
Arquivos: muro
Texto by screamyell.com.br
5 comentários:
os arquivos pedem uma senha, será que você poderia disponibilizar ?
A senha é muro
para que le pones contraseña si no dices cual es????
contraseña es muro
When you run through Google translate it says wall. No wonder it didn't work for me. Took me a few tries to realise!
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