A passagem da Taito pelo Brasil deixou uma história que mistura pirataria oficializada, um fugitivo russo, um playboy internacional, jeitinho brasileiro e alguns dos melhores jogos de uma década.
O nome Taito é o primeiro a ser lembrado quando brasileiros que eram crianças ou jovens nas décadas de 70 e 80 falam sobre fliperamas, e não é para menos: a marca dominou esse ramo no país até 1985, primeiro importando e depois com fábrica própria em São Paulo, produzindo e distribuindo dezenas de milhares máquinas de vídeo jogo (arcade) e de flíper (pinball).
A Taito japonesa foi fundada por Michael Kogan, um russo cuja família se asilou na China após a revolução comunista de 1917, e que pouco antes da Segunda Guerra Mundial foi para o Japão ganhar a vida, fundando em 1953 a Taito Trading Company (que vendia desde vodka até máquinas de comercializar amendoim).
Nos anos 1960 ela começou a produzir máquinas de pinball, e em 1973, com o lançamento da sua primeira máquina de arcade (a Elepong, um clone do precursor jogo Pong, da Atari), mudou seu nome para Taito Corporation.
Foi com este novo nome que, em 1978, a Taito mudou a história dos jogos eletrônicos ao lançar o Space Invaders, que no Japão fez tanto sucesso a ponto de levar à criação de fliperamas dedicados exclusivamente a este jogo, e por um breve período chegou a criar problemas de disponibilidade de moedas em circulação.
O Space Invaders foi distribuído nos EUA pela Midway, abrindo caminho para o sucesso por lá (e em todo o mundo: é o 2º jogo de fliperama mais vendido na História, perdendo apenas para o Pac-Man) e para, no ano seguinte, ocorrer a fundação da Taito America Corporation, que nasceu com a missão de distribuir os jogos posteriores da Taito (como Speed Race, Elevator Action e Jungle Hunt, entre muitos outros) nos EUA.
A chegada ao Brasil
A Taito chegou ao Brasil bem antes da criação da filial dos EUA, mas com um propósito inicial bem diferente.Segundo o relato de João Luís Costa, um dos primeiros funcionários da empresa, a operação da Taito no Brasil começou em 1968, sob os nomes de "Trevo Diversões Eletrônicas" e, logo depois, "Trevo Diversões - Representante da Taito no Brasil".
Já a empresa com o nome Taito do Brasil Indústria e Comércio Ltda. só foi estabelecida em 1972, em uma aparente manobra típica de jeitinho brasileiro: primeiro fundaram a Trevo como empresa nacional, aí esperaram alguns anos e trouxeram oficialmente a Taito para se associar a ela, cumprindo assim o requisito legal da época para a chegada de uma empresa internacional de eletrônica.
Todas essas fases foram dirigidas por Abraham "Abba" Kogan (foto acima), filho do fundador da Taito japonesa. Vale observar que a Taito (sob seu próprio nome e, antes, como Trevo) chegou ao país bem antes da primeira máquina de video (o Elepong) ser lançada pela matriz japonesa.
A filial brasileira inicialmente importava máquinas de pinball dos EUA e componentes japoneses para montagem delas no Brasil, distribuindo-as ou mesmo operando-as no mercado nacional.
A Taito não foi a primeira a trazer esses jogos ao Brasil: desde a década de 1930 se tem notícia da presença de operação de pinballs no país, primeiro em Poços de Caldas (aproveitando o fluxo dos hoteis de águas termais da região) por iniciativas independentes de Eduardo Marras e de Sérgio Miglioti, e antes da chegada da Taito havia importadores e distribuidores atuando no Paraná e em São Paulo.
Nesses primeiros anos brasileiros da Taito, sua operação própria de fliperama era bastante intensa em São Paulo: além da locação de máquinas, o primeiro fliperama próprio da Taito por aqui foi na Avenida Ipiranga, quase na icônica esquina com a São João; em seguida vieram um em frente ao Largo do Arouche, e o campeão de faturamento na época, em frente à praça da República.
Crise e oportunidade: a reserva de mercado
A fase de negócios de importação e operação da Taito do Brasil durou alguns anos, sempre lutando contra a taxação crescente à importação de bens de consumo supérfluos (incluindo as máquinas de jogos) e contra o entendimento governamental de que o pinball era jogo de azar e, portanto, proibido.
Essa fase acabou em julho de 1976, quando a publicação da Resolução n. 1 da Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE) trouxe um obstáculo mais difícil: começou a criar uma Reserva de Mercado para computadores no Brasil (que foi sendo ampliada ano após ano, até se consolidar, com uma lei própria, em 1984, que vigorou até 1992), e isso atingiu de forma direta a importação de máquinas de pinball.
Com um mercado cada vez mais interessado nos jogos eletrônicos, mas sem poder continuar a importar máquinas como antes, a Taito do Brasil mudou de estratégia foi fazer o que muitas empresas de tecnologia operando no Brasil fizeram na virada dos anos 70 para os 80: montou uma fábrica em SP , comprou empresas menores (como Liberty, Flipermatic e Mecatronics) que atuavam no mesmo mercado, e começou a criar imitações nacionais de aparelhos do exterior.
O ataque dos clones
Os clones feitos pela Taito do Brasil eram máquinas de pinball com arte adaptada (ou criada, seguindo o tema original, pelo ilustrador J. Pecegueiro), e disposição dos obstáculos e dos alvos copiando máquinas de sucesso do exterior. A lógica dos jogos (regras para pontuação, bônus, bolas extras, etc. - implementadas em hardware e, mais tarde, também software) era criada localmente.
Copiando e adaptando modelos de marcas internacionais, a Taito do Brasil produziu modelos de pinball que quem entrou nos fliperamas da época certamente lembra, como as clássicas Cavaleiro Negro (com seu sintetizador de voz com forte sotaque americano), Oba Oba (homenagem à casa de shows do Sargentelli), Zarza, Rally, Vortex e muitas outras.
A máquina Cavaleiro Negro é uma das mais lembradas, e foi muito mais do que "inspirada" na Black Knight, da Williams. A já mencionada Oba Oba também é uma "homenagem" à máquina Playboy, da Bally. E cada uma das outras, com apenas 2 ou 3 exceções, pode ser diretamente associada a uma máquina internacional "inspiradora", como a detalhada pesquisa do Megaman Zero demonstrou.
A Taito era a única marca internacional atuando nesse negócio por aqui naquele período, mas certamente não era a única empresa a usar a Reserva de Mercado como escudo para copiar impunemente a tecnologia e a jogabilidade dos pinballs do exterior: a LTD, sediada em Campinas, fazia o mesmo, usando as CPUs 6802 e 6803, da Motorola.
Era comum ambas as empresas lançarem versões "nacionais" para uma mesma máquina do exterior. Exemplo: o pinball Xenon, da Bally, deu origem à máquina Zarza, da Taito brasileira, e à Zephy, da LTD .
A revolução dos microprocessadores
Curiosamente, as primeiras máquinas de pinball produzidas pela Taito no Brasil, mais ou menos até 1978 (como Criterium e Roman Victory), eram engenhocas eletrônicas digitais (mas sem CPU), copiadas de modelos TTL da espanhola Recel. Elas deram grande prejuízo, sendo assoladas por problemas de usabilidade e dificuldade de manutenção devido à sua complexidade e à qualidade das peças disponíveis.
Logo em seguida a Taito do Brasil deu um salto tecnológico e, para copiar máquinas de pinball mais avançadas das grandes marcas dos EUA e do Japão (como como Bally, Williams, Gottlieb, Stern e Zaccaria), recebeu um investimento considerável da Taito japonesa e passou a usar um sistema adotando um microprocessador como CPU. O sistema foi desenvolvido localmente pelo funcionário Viggo Tristed (aparentemente usando modelos da Gottlieb como benchmark), efetivamente transformando as máquinas de pinball em computadores.
Durante os anos seguintes, as máquinas de pinball da Taito do Brasil passaram a usar o processador 8080, da Intel (lançado em 1974), comum em caixas registradoras, calculadoras e terminais da época. Os obstáculos e alvo continuavam a ser copiados dos sucessos do exterior, e a lógica interna continuou a ser criada por aqui, mas agora com bem mais possibilidade de recursos.
Entre as mais de 30 máquinas de pinball produzidas pela Taito do Brasil nos seus cerca de 10 anos de produção, consta que a de maior sucesso comercial foi a Cosmic (foto acima), versão nacionalizada da Galaxy, feita pela Stern – ambas lançadas em 1980.
Anos mais tarde, pouco antes de fechar as portas, a Taito do Brasil lançou algumas máquinas de pinball usando o processador Z80, da Zilog – bem mais avançado que o 8080, e usado em boa parte dos computadores pessoais da década de 80, incluindo o MSX, e até no videogame Master System, da Sega.
Por falar na empresa do Sonic, vale uma observação: a Taito do Brasil era a dona da marca Sega no nosso país. Antes de encerrar suas operações, a empresa vendeu a marca para a TecToy, por um valor elevado (mas controverso – uns dizem US$ 200.000, outros dizem US$ 1 milhão).
Os experimentos com o microprocessador Z80 nas máquinas de pinball podem ter relação com a tecnologia que a empresa utilizava no seu outro ramo de atuação: as máquinas de arcade.
Bootlegs: marretando os arcades
Em paralelo à produção dos pinballs, e igualmente tirando proveito da Reserva de Mercado de Informática, a Taito do Brasil se envolvia também na produção e distribuição de arcades (as máquinas de jogos com vídeo), que é a parte que mais me interessa na história toda, e até me inspirou a começar a construir meu próprio arcade.
Na época, era comum cada máquina de arcade ter sua própria placa, que é o conjunto de componentes eletrônicos (essencialmente um computador) que roda o jogo. Mas a Taito do Brasil não podia importar livremente essas placas variadas, nem detinha a tecnologia para criar as suas, então acabou definindo uma terceira via: as chamadas bootlegs.
Bootlegs são adaptações de jogos de arcade para que eles possam rodar em uma placa diferente (mais barata, ou aproveitando o hardware que estiver disponível) daquela para a qual foi feito, geralmente sem apoio, aprovação ou ciência dos criadores originais do jogo e do hardware.
No começo, o que a Taito do Brasil fez foi, basicamente, conseguir um suprimento de placas como as da imagem acima, desenvolvidas originalmente pela Nichibutsu para seu jogo Moon Cresta (1980), e que haviam sido licenciadas para uso pela Taito no Japão.
Essas placas de Moon Cresta se prestaram a muitos bootlegs pelo mundo afora, por uma razão simples: tinham um conjunto de componentes bastante completo e acessível na época, um pouco similares a um versátil computador pessoal MSX (que ainda não existia): CPU Z80, distinguindo RAM e ROM de programa, ROM de caracteres, RAM de sprites, RAM de vídeo, RAM de cenário, etc.
Padronizando em apenas um modelo de placa, ficava mais fácil para o corpo técnico da Taito no Brasil fazer seus próprios bootlegs, "bastando" dominar o processo de adaptar (quando feito para o Z80) ou reimplementar os jogos de sucesso do exterior. Isso quando já não havia um bootleg pronto, feito em outros países por pessoas com objetivos similares...
E foi assim que jogos da Konami (Super Cobra), da Nintendo (Donkey Kong) e de outras concorrentes internacionais da Taito chegaram, com outros nomes, aos fliperamas brasileiros da época.
Um detalhe: várias fontes indicam que a Taito New Zealand (também fundada por Abba Kogan, em 1980), encerrada em 1998, foi a responsável pela reimplementação de vários dos jogos distribuídos pela Taito do Brasil Ltda., e que o envio desses jogos era feito por link internacional de telex.
Jogo estrangeiro, nome nacional... em inglês
Você lembra de ter jogado Columbia e Fantastic, duas das máquinas populares da Taito no início dos anos 80? Pois saiba que na verdade você estava jogando Xevious (1982) e Galaga (1981), ambos da Namco, adaptadas e rebatizadas no Brasil.
A mudança de nome evitava um problema para a empresa, porque – apesar de a cópia do software estar relativamente abrigada pela Reserva de Mercado – as marcas registradas dos produtores originais poderiam vigorar no Brasil.
Mas ela acabou criando outro problema, desta vez para os jogadores da época, hoje com seus 35 anos ou mais, que muitas vezes procuram em coleções de emuladores os seus jogos preferidos da infância e não os encontram porque, por exemplo, estão procurando por Columbia e não por Xevious, que é o nome original.
Alguns dos nomes geram situações duplamente confusas. É o caso do Galaxian, que a Taito do Brasil distribuía com o nome de Attack, sendo que Attack, no exterior, era um jogo de tiro militar... da própria Taito.
Game Over
Tudo ia bem, a Taito produzia, vendia, locava, cobrava um percentual de outros operadores, e até as fichas eram vendidas por ela. Foi aberta até mesmo uma filial em Porto Alegre para montar e manter as máquinas para a região Sul.
Mas entre 1984 e 1985 essa história acabou de repente. Michael Kogan, fundador da Taito japonesa, morreu subitamente durante uma viagem de negócios aos EUA, o que levou a um breve período em que a companhia foi administrada diretamente pelos funcionários, até ser adquirida pela Kyocera, em 1986 (em 2005 a Kyocera a vendeu para a Square Enix, sua atual proprietária).
No mesmo período, a era de ouro dos arcades já estava no fim mundialmente, enquanto – até no Brasil, que tinha o Atari 2600 oficialmente desde 1983 – os videogames domésticos coloridos e computadores pessoais se desenvolviam. Para completar, a chegada de outras empresas interessadas em produzir e distribuir jogos eletrônicos acabou sendo um páreo duro para o estilo de gestão implantado na Taito brazuca.
O fim do interesse do público foi súbito. Segundo o relato de José Batalha Rodrigues, que foi funcionário da Taito do Brasil e, até 2013, foi um dos últimos técnicos da "velha guarda" ainda aptos a restaurar as máquinas dos anos 80 de memória – sem depender da escassa documentação existente e de experimentação/engenharia reversa –, o valor de mercado pulverizou de repente, no momento da popularização dos computadores pessoais e videogames. “De repente, a máquina não valia mais nada. O pessoal jogava fora, fazia fogueira...”, comenta.
Com tudo isso somado, em 1985 acabou sendo tomada a decisão de encerrar as atividades da Taito do Brasil Ltda., que foi extinta por iniciativa dos proprietários, após honrar todos os seus débitos e compromissos – não houve falência, concordata ou similares.
Abba Kogan foi viver sua vida de milionário internacional em Mônaco, não sem antes dar início a 2 novas empresas: a Taicorp Comércio e Empreendimentos Ltda., que existiu juridicamente até 2008, e a Playland, na qual a Taito e o Playcenter uniram esforços e capital para operar áreas de diversões em shoppings de todo o Brasil, ainda hoje em atividade.
Vida extra
Quando a Taito do Brasil acabou, em 1985, foi encerrada a produção local e a importação direta dos seus jogos, mas o acervo existente – a empresa produziu cerca de 25.000 máquinas no país – foi espalhado, vendido para grande número de operadores brasileiros que exploraram as máquinas durante boa parte da década seguinte.
A maior parte dessas máquinas hoje está inacessível por ter se deteriorado ou mesmo por estar nas mãos de colecionadores, mas – embora seja cada vez mais raro – ainda é possível encontrar algumas em rodoviárias e botecos de cidades pequenas, seja porque o operador fechou e não foi lá buscar, ou porque foi encontrada em algum depósito e colocada pra funcionar, ou ainda porque alguns poucos operadores da década de 1980 permanecem no ramo. Algumas também estão presentes em clubes e exposições, nas quais o público tem alguma chance de conseguir estar presente.
Quanto às que estão estragadas, restauradores cobram de R$ 8.000 a 20.000 para colocá-las novamente em condições de operação, e várias delas estão preservadas – ao menos como lembrança do seu funcionamento e visual – em emuladores.
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