sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Punks & Hippies

Eleito pela revista Time um dos norte-americanos mais influentes do século XX, Edward Bernays foi o criador da propaganda moderna. Ele utilizou as ideias de seu tio, Sigmund Freud, para manipular as emoções e os desejos das massas. Bernays acreditava que, ao conhecer as motivações das pessoas, seria possível influenciar seu comportamento sem que elas se dessem conta disso. Ao vincular bens materiais a desejos inconscientes, Bernays ensinou às indústrias como fazer as pessoas desejarem algo de que não precisam de fato.

A propaganda não se limitaria mais a apresentar o produto e a informar sobre suas qualidades. Agora, a publicidade teria o objetivo de influenciar a audiência, produzindo respostas emocionais e não racionais aos produtos. Nesse momento, surge a noção de consumismo como é compreendida atualmente, tornando-se uma forma de explorar mentes, emoções e identidades das pessoas. Medos e inseguranças são manipulados de modo a serem traduzidos em desejos de produtos materiais, e a sociedade é então condicionada a desejar sempre além.

Para aumentar o desejo das pessoas, o consumismo instiga as inseguranças e as carências emocionais, gerando cada vez mais ansiedade e depressão nos indivíduos. Tal fato ocorre pois a propaganda na cultura consumista é baseada em uma falsa promessa de felicidade. Os bens materiais são vendidos como uma forma de suprir carências que não são do âmbito material. Estimula-se a busca da solução de problemas emocionais através da aquisição de produtos comerciais. A propaganda vende a ideia de que mais produtos nos farão mais amados, mais estimados, mais felizes e mais valorizados. A verdade é que, quanto mais tempo o indivíduo gasta focado na aquisição dos bens, menos tempo ele possui para cultivar vínculos afetivos com a família, os amigos e a comunidade.

A dinâmica “mais produtos = menos vínculos” não foi pensada ao acaso. Bernays acreditava que as massas eram irracionais e perigosas e que deveriam ser controladas. Para ele, a democracia sem o controle da população configurava um fator de risco para a estabilidade social. Nesse sentido, seu método de propaganda buscava manter as massas ocupadas em busca da felicidade através de bens materiais. Quanto mais o consumismo é estimulado, menos as pessoas se interessam pela participação ativa na política.

Na cultura consumista, as pessoas são induzidas a acreditar que a felicidade não depende do Estado ou da sociedade, mas dos produtos criados pelas empresas. O cidadão que busca a realização pessoal através da participação política transforma-se no consumidor que passivamente aguarda as empresas realizarem seus desejos. A liberdade política torna-se então a liberdade de consumir. Dessa forma, a combinação de democracia e consumismo é a fórmula perfeita para manter o povo longe do poder e preservar o status quo.

 Além da apatia política, a cultura consumista estimula o egoísmo, a inveja e promove a desagregação social. Em uma sociedade baseada no consumismo, não basta ter o suficiente para viver bem; o consumismo é comparativo. Assim, manipula-se o desejo a fim de possuir mais do que o outro: mais do que o vizinho, mais do que o colega de trabalho, mais do que as pessoas que aparecem nas mídias sociais e tradicionais. Isso gera uma infinita insatisfação e um ciclo de consumo cada vez em proporções maiores. As pessoas tornam-se isoladas, centradas nos próprios desejos; e, por sua vez, a sociedade é construída de forma mais fragmentada.

O consumo tem se consolidado como o objetivo central da vida pessoal, arregimentando as esferas do lazer, da cultura, da vida social e familiar. Os shoppings estabeleceram-se como novos templos de dedicados súditos, espaços nos quais as pessoas reúnem-se, consomem e passam seu tempo livre. Entretanto, deve-se observar que, ao contrário dos antigos templos e das praças públicas, nos shoppings a vida social se empobrece e é reduzida ao simples ato solitário de comprar.

Porém, o consumismo nem sempre triunfou sem oposição. Algumas vozes dissonantes surgiram no decorrer do século XX. Dentre elas, as mais expressivas estão ligadas à cultura hippie nos anos 1960, e do movimento punk, nos anos 1970.

A cultura hippie floresceu nos anos 1960 nos EUA, epicentro do consumismo. Os hippies rejeitavam as hierarquias e as instituições estabelecidas, contestavam os valores da classe média, opunham-se às armas nucleares e à guerra e eram comumente vegetarianos. Eles utilizavam-se de artes alternativas como o teatro de rua e o rock psicodélico para expressar suas ideias e valores. Opondo-se à política tradicional, cultivavam ideias não doutrinárias e libertárias em favor da paz, do amor e da vida em comunidade.

Desiludidos pela sociedade moderna extremante individualista, egoísta e competitiva, decidiram viver em comunidades próprias e independentes, adotando um estilo de vida coletivo que estimulava a cooperação e a comunhão com a natureza. Nessas comunidades, as decisões são consideradas coletivamente, não havendo hierarquias, e todos os participantes exercem alguma função. Adota-se como prática o cultivo dos próprios alimentos e o comércio ocorre entre os moradores através da troca ou da permuta.

Já a cultura punk surgiu nos anos 1970 nos EUA e na Inglaterra. Ela se caracteriza por ser um movimento extremamente urbano que, de forma ampla, defende uma visão anarquista centrada na autonomia do indivíduo, opondo-se à mídia tradicional, ao Estado, às instituições religiosas e às grandes corporações capitalistas.

A primeira manifestação cultural do punk foi no âmbito musical. O punk rock surge como a retomada de um estilo autêntico, no qual o mais importante é a expressão individual, pois os membros estavam profundamente decepcionados com a cena do rock que, na época, se mostrava vinculada à grande indústria da música. O showbizz americano e inglês tinha como preocupação produzir estrelas e divulgá-las em grandes shows, criando artistas que, na visão dos punks, careciam de autenticidade.

Assim, a cultura punk começou a produzir músicas curtas e bastante simples, tocadas com pouco mais do que três acordes, sendo facilmente reproduzidas por qualquer pessoa sem formação musical. Essa concepção musical tinha como objetivo instigar outros jovens a criar suas próprias bandas. Surgia então uma grande expressão do anticonsumismo: a cultura do “faça você mesmo” (do inglês do it yourself – DIY).

O princípio do “faça você mesmo” relaciona-se ao questionamento tanto da necessidade de comprar coisas quanto dos processos existentes que impulsionam a dependência do indivíduo às estruturas sociais vigentes. De acordo com a cultura punk, os indivíduos podem se expressar e produzir trabalhos sérios, ainda que com recursos limitados. As bandas punks gravavam suas próprias músicas, produziam e distribuíam os álbuns, e se apresentavam em garagens ou em porões, evitando o controle das grandes corporações e assegurando a liberdade de suas performances. Suas ideias circulavam através de fanzines, isto é, publicações caseiras realizadas, editadas e distribuídas por fãs.

Aparentemente, esses dois movimentos culturais perderam a força inicial após alguns anos, tendo sido, de certa forma, assimilados pela moda e pela sociedade consumista, ainda que isso soe paradoxal. Entretanto, pode-se afirmar que suas ideias demonstravam força suficiente para, cinquenta anos depois, ressurgirem como uma possibilidade alternativa à atual cultura de consumo.

Na verdade, longe de estarem esquecidos, muitos desses valores permanecem na nossa cultura em áreas inusitadas. É possível afirmar que a contracultura dos anos 1960 promoveu o desenvolvimento do computador pessoal e a organização da internet. A concepção de uma grande rede mundial sem fronteiras, sem qualquer autoridade central, na qual indivíduos são livres para compartilhar informações, deve-se à influência hippie da cultura americana. Os valores hippies baseados nas ideias de comunhão e de colaboração mostram-se cada vez mais presentes no mundo virtual e tecnológico. Exemplo disso são os sites de construção coletiva estilo wiki; bem como os softwares livres e de código aberto, nos quais todos podem contribuir livremente e de forma espontânea para o desenvolvimento, o compartilhamento, a edição e a difusão de ideias e de conhecimento.

Na sociedade contemporânea, a internet permite o compartilhamento de ideias, tornando-se um instrumento capaz de estimular novas formas de consumo e de conexão entre as pessoas. A noção de consumo colaborativo vem crescendo em meio à troca de ideias, pondo em cena práticas alternativas que envolvem trocar, emprestar, reusar e revender objetos. Torna-se cada vez mais comum grupos que se organizam e se reúnem a fim de trocar roupas, brinquedos e livros; planejando caronas; compartilhando carros e aparelhos eletrônicos; praticando a permuta de serviços; fazendo uso do sistema de book crossing ou couchsurfing. As atividades são realizadas e negociadas diretamente entre as pessoas, estimulando os laços de comunidade e permitindo viver bem com menos dinheiro. Em tais práticas, o indivíduo é valorizado pelo modo como interage com a comunidade, marcando o surgimento de um novo tipo de capital: o capital social.

O movimento do “faça você mesmo” hoje é mais presente do que nunca. Através de vídeos e aulas pela internet, na rede é possível ter acesso a possibilidades infinitas de aprender a produzir e a divulgar suas próprias realizações, fugindo da cultura passiva consumista e buscando a realização pessoal de forma ativa. Hoje pode-se plantar vegetais em casa, fazer cerveja caseira, costurar as próprias roupas e até mesmo produzir objetos manufaturados.

A produção pode ser individual ou coletiva, e os objetos podem ser feitos para o próprio consumo ou para a venda, pois o século XXI aumentou a produtividade da produção de pequena escala. Pode-se exercitar a criatividade, desenvolver novas habilidades e talentos e a criatividade em novas formas de produzir bens de consumo. A ética do “faça você mesmo” dá poder aos indivíduos e às comunidades, encorajando o emprego de abordagens alternativas para a solução de problemas.

Assim, observa-se que a sociedade consumista enfraquece os laços sociais, estimula o individualismo, e retira a autonomia dos indivíduos, que se tornam consumidores passivos, cujo único poder é a escolha entre a marca A ou a marca B. Em contrapartida, a cultura hippie e seus ideais fortalecem a ideia de coletividade e de colaboração. O princípio do “faça você mesmo” estimula a autonomia, dá poder e liberdade aos indivíduos.

Um novo modelo cultural pode entrar em cena, criado à luz de ações que priorizam a partilha de produtos e de conhecimentos, a produção de bens de consumo, e o comprometimento crítico por seu modo de vida, a fim de consolidar conexões sociais e comunitárias.

Meio século depois do surgimento dos hippies, eles e os punks são mais atuais que nunca: já temos todas as ferramentas que possibilitam promover uma sociedade mais feliz, socialmente mais justa e ecologicamente sustentável, bem como o desenvolvimento de uma economia de abordagem essencialmente humana, e não simplesmente monetária. Teremos coragem para usá-los?

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Chave de Cadeia


USA Garage Greats 60 ‘s



O melhor Blog de musica da internet ( twilightzone-rideyourpony ) resolveu copilar em vários volumes as bandas de fundo de quintal dos anos 60 , as famosas Garage Bands....os primórdios da revolução punk que surgiria anos depois , junto com as indispensáveis Nuggets e Pebbles formam um verdadeiro tesouro musical , bandas que muitas vezes não passavam de um compacto simples , mas que  juntas formaram uma massa sonora...um semente de rebeldia plantadas nos corações jovens inquietos  ...todos os volumes são fantasticos , na dúvida baixe um para experimentar...duvido resistir ao encanto

USA Garage Greats 60 ‘s - Get Off  My Back

USA Garage Greats 60 ‘s - Total Rauch

USA Garage Greats 60 ‘s - Empty heart

USA Garage Greats 60 ‘s - Wild About You

USA Garage Greats 60 ‘s - No Count

USA Garage Greats 60 ‘s - Gotta Be

USA Garage Greats 60 ‘s - Baby Whats
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USA Garage Greats 60 ‘s - Dont Press
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USA Garage Greats 60 ‘s - I Lost You
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USA Garage Greats 60 ‘s - It Couldnt
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USA Garage Greats 60 ‘s - Jack The
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USA Garage Greats 60 ‘s - Flash In The Pan

USA Garage Greats 60 ‘s - Feelin Bad

USA Garage Greats 60 ‘s - In My Grave

USA Garage Greats 60 ‘s - I Said Move

USA Garage Greats 60 ‘s - 60 Seconds Swinger

USA Garage Greats 60 ‘s - Love Fades Away

USA Garage Greats 60 ‘s - Out Of My Head

USA Garage Greats 60 ‘s - Girl Its Over

USA Garage Greats 60 ‘s - How Many Times

Usa Garage Greats 60 ‘S - Go!

Usa Garage Greats 60 ‘S - Bustin Rocks

Usa Garage Greats 60 ‘S - Cant Tame Me

Usa Garage Greats 60 ‘S - Stay Away

Usa Garage Greats 60 ‘S - Blue Girl

Usa Garage Greats 60 ‘S - The Way I Feel

Usa Garage Greats 60 ‘S - Calm Me Down

Usa Garage Greats 60 ‘S - Instant

Usa Garage Greats 60 ‘S - The Cat

Usa Garage Greats 60 ‘S - You Lied

P.S - São quase 100 Volumes...vocês querem Mais ?

Grito Primal



“Wop-bop-a-loo-lop a-lop-bam-boo

Tutti Frutti, all over rootie,.....

Tutti Frutti, all over rootie,.....

A-wop-bop-a-loo-lop a-lop bam boo!”

Dica de Leitura - Esquina Maldita



Na Esquina Maldita (Avenida Osvaldo Aranha com a Rua Sarmento Leite), prosperou nos anos 1960 e 1970 um gueto boêmio com vida intelectual inquieta e independente. Nele, duas vertentes – a dos que pretendiam mudar o mundo e a dos que propunham revolucionar a própria vida – produziram uma boemia com ares existencialistas, que oscilava entre o proselitismo e a porra-louquice. Esse traço distingue a Esquina Maldita na cena noturna de Porto Alegre em sua época.

Uma dos livros mais legais que li nos últimos tempos......

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Cowabunga! The Surf Box ( Box Set ) 4 CDs



Da Série - Coletaneas Essenciais



CD 1: Ground Swells 1960-1963

CD 2: Big Waves 1963

CD 3: Ebb Tide 1963-1967

CD 4: New Waves 1977-1995

Pass: punkypaatin_sk8

MC 5 - Discografia Completa




Detroit é, até hoje, o coração do meio-oeste norte-americano. Após a Segunda Grande Guerra, a cidade viveu seu “boom” particular. Uma cultura industrial nasceu em torno dessa “máquina”, somando-se a isso a chegada de muitos imigrantes foragidos da Segunda Guerra e da Coréia. Aterrissaram aos montes nas cidades do norte para trabalhar nas fábricas. Nesse cenário, uma nova atitude e uma nova música jovem surgiram. Todos tinham emprego e a cidade prosperava. Talvez por isso, mais do que em qualquer outra cidade americana no mesmo período, os brancos e negros dialogavam abertamente. Detroit era uma cidade operária aberta ao novo, sem distinção de raça ou classe social. No início dos 60 os grandes nomes eram Duane Eddy, the Ventures, Beach Boys do começo, Motown, Stax, Otis Redding até a chegada da invasão inglesa, que incentivou a molecada a fundar bandas e mais bandas.

Fundado em Detroit no ano de 64/65 pelo vocalista Rob Tyner (durante a adolescência Tyner pegou emprestado o nome do pianista do John Coltrane, McCoy Tyner, para seu nome artístico) e pelos guitarristas Fred Smith (que tocava bongô antes das cordas) e Wayne Kramer (que ensinou Fred a tocar guitarra), a banda ainda contava com Bob Gaspar na bateria (já falecido) e Pat Burrows no baixo, que não desejavam findar seus dias como operários. Esse primeiro batera saiu reclamando: “Tenho que ficar dando porrada na bateria porque esses caras tocam cada vez mais alto! Tô fora!”. Michael Davis, que não foi o primeiro baixista, só entrou na banda porque usava botinhas iguais às dos Beatles (o que impressionou Kramer) e porque o baixista original ficou passado com Kramer alegando que não queria mais tocar aquela música maluca (a escola de Burrows era mais na praia da Motown, tipo James Jamerson) e caiu fora. Depois aterrissou o batera Dennis Thompson para completar a formação clássica.

No início, o MC5 era uma banda de covers (que tocava Who, Kinks, Them, Yardbirds, R&B, James Brown, Rolling Stones) com apenas uma canção inédita, a experimental e atonal “Black to Comm”, exatamente a mais “barulhenta”, que tornou-se a música que “expulsou” o baixista e o batera originais. A proposta musical do MC-5 não era só fazer barulho para entorpecer ouvidos, como pode parecer, mas sim trazer a liberdade artística e musical a todos. O conceito deles unificava linguagens aparentemente díspares como o rock and roll básico de Chuck Berry com o “freedom jazz” de figuras como Coltrane, Ornette Coleman, Albert Ayler e do louquíssimo Sun Ra, mais o soul de James Brown, a todo volume! George Clinton, do Funkadelic, comentou certa vez que, ao assistir o MC5 ao vivo, decidiu montar um grupo de negros que tocassem no mesmo volume, com o mesmo tipo de equipamento. Negros que influenciam brancos, que influenciam negros que influenciam...

A casa de shows que mandava na área era a Grande Ballroom, fundada pelo professor de Inglês e História Russ Gibb, que nas horas vagas era D.J. O sonho de Gibb foi trazer à cidade uma espécie de Fillmore, a grande casa de shows de rock da costa oeste dos Estados Unidos. O que faltava para Detroit era um lar para o rock and roll e a primeira banda residente passou a ser os “cinco”. A cidade ficou de pernas para o ar de uma hora para a outra. O MC5 se fez por lá com shows altíssimos e aterradores. Dennis lembra que eles adoravam tocar em um colégio católico da região porque colocavam no palco cabeçotes com oito caixas Marshall para as guitarras e mais duas cabeças Sunn para o baixo, isso sem microfonação para a bateria, o que obrigava Dennis a esmurrar o instrumento. O resultado de tantos decibéis era uma massa física impulsionada no ar pela força dos alto-falantes. O público adorava e o MC5 também, porque eles viam os chapéus das freiras (tipo Noviça Rebelde) balançarem por causa do impacto dessa massa sonora!

Todo mundo adorava, mas ninguém queria empresariá-los. O único que amou a banda de cara, e decidiu chamar a si essa tarefa, foi o maluquete/saxofonista/hippie John Sinclair que passou a utilizá-los como “pano de frente” da revolução. Sinclair trazia a rodo uma comuna hippie chamada Trans-Love (Energies) porque naquela época era importante fazer parte de uma família “alternativa”, que não fosse a tradicional. Entre 67/68, os Estados Unidos fervilhavam politicamente. Acreditava-se que a revolução era possível e que estava prestes a acontecer. Nixon e Vietnã. A (re)pressão da polícia acabou sendo tanta que a banda e a comuna se mudaram de Detroit para Ann Arbor, uma cidade bem mais tolerante, a quase cinqüenta quilometros a oeste.

Inicialmente o MC5 comungava com alguns princípios hippies de Sinclair, mas assim que assinaram com a Elektra para o primeiro disco, os Trans-Love foram sendo substituídos por um novo grupo político-reaça e a banda tornou-se a eminência não-parda dos Panteras Brancas (cujo lema era “rock’n’roll, drogas e f...r nas ruas”) que, como o nome diz, era a filial “branca-azeda” dos Panteras Negras, partido fundado em 66 para acabar com a discriminação contra os negros na base da violência e da luta armada.

O “ministro da defesa” do partido-versão-branca, (listado no disco ao vivo como Pun Plamondon) tentou explodir o escritório de recrutamento da CIA com uma bomba caseira. Os Panteras Negras chamavam essa versão do partido com branquelos revolucionários de “palhaços psicodélicos” e como está no livro Mate-me Por Favor, os MC5 treinavam tiro ao alvo no quintal da casa comunitária em que viviam, mais por diversão e por excesso de barbitúricos na idéia, do que por causas revolucionárias. No final das contas, para eles, e somente para eles, tudo não passava de diversão. Os shows foram acontecendo, os tumultos na platéia também, o nome da banda foi se espalhando, mas um evento deixou o nome MC5 na história musical e política dos States.

O caos aconteceu no Chicago Festival of Light em agosto de 1968. O cenário era esse: a banda protestava, em um curtíssimo set de apenas cinco músicas, contra a convenção do Partido Democrata que ocorria na cidade. A cena já estava montada quando a banda detonou seu show-protesto e o retorno veio sem se fazer esperar: garrafas voaram, a polícia sedenta por sangue e montada em eqüinos desceu o cacete no povo: power to the people e black is beautiful. A fama estava feita. O romancista Norman Mailer, cobrindo a Convenção para a revista Harper, descreveu o poder sônico dos cinco poeticamente: “As trombetas dos hunos fariam o mesmo barulho?”, além de acrescentar que “O ápice do ruído elétrico tornara-se o clímax eletro-mecânico de toda uma era”.

A Elektra correu para assiná-los, através do diretor artístico do selo, o amigo/gay/loucaço Danny Fields (que em 2002, disse ter transado com Pete Townshend, do Who naquela época). “Nós realmente acreditávamos que poderíamos mudar o mundo”, Kramer afirmou certa vez. “Queríamos crescer e ser como John Coltrane ou o Camarada Mao.” Um pouco distante dessa opinião, o vocalita Rob Tyner alegava que a “politicalização” em torno deles era apenas uma fantasia do empresário: “John Sinclair criou a ilusão de algo grande e forte atrás dele, para dar a impressão de que se alguém tentasse nos f...r, na verdade estaria f.....o com uma grande organização que te pegaria de jeito.”

O primeiro disco, Kick Out The Jams, gravado no reveillon Zenta (o que quer que seja isso) entre os dias 30 e 31 de outubro de 68 foi promovido com o slogan: “Fo..-se a Hudson” porque essa cadeia de lojas havia banido o álbum, exatamente pelo título chulo na capa. Tira o Motherfucker!, deixa o Motherfucker! A gravadora Elektra, assistindo o LP chegar ao trigéssimo lugar da parada como um foguete, decidiu recolher o trabalho por causa da canção-título, além de apagar o texto-bandeira do empresário John Sinclair da capa, e os demitiu ao iniciar a gravação do futuro segundo LP. Sinclair negociava um acordo para o segundo álbum, quando soube que a banda não poderia se apresentar no Miami Pop Festival, pois a polícia da Flórida expedira uma ordem de prisão para o grupo, caso eles colocassem os pés por lá.

A Atlantic os pescou (mas se arrependeu a posteriori) para lançar esse mesmo segundo álbum. Sinclair ainda trabalhava para que eles musicassem o trabalho Paradise Now do grupo experimental de teatro The Living Theatre. Tudo isso dentro do espírito coletivo plantado (?) pela comunidade Trans-Love em Michigan. Mal sabia Sinclair e o povo da comuna que os cinco estavam doidos para cair fora daquela galera toda, do Trans-Love e dos Panteras Brancas. A resenha do Kick Out The Jams feita por Lester Bangs na Rolling Stone decepcionou a banda. Eles esperavam a aprovação do grande Lester e o que o crítico disse é que Kramer não conseguia tocar e nem afinar a guitarra. Logo o homem que viria a babar o ovo do Raw Power, dos Stooges, anos depois, um disco essencialmente mal tocado (porém genial!).

Um pouco antes, o empresário Sinclair havia sido espancado pelos seguranças e policiais de um clube para adolescentes. Alguns afirmam que ele atraía confusão “Ele se queimava sozinho”, já sentenciou o baixista Michael Davis. O guitarrista Fred “Sonic” Smith apareceu para ajudar Sinclair, agredindo seu agressor. Julgados conjuntamente, Fred foi liberado e Sinclair sentenciado a dois anos e meio com cabeça raspada e tudo. Através de manobras jurídicas, Sinclair foi posto em liberdade mas logo depois foi preso por carregar duas baganas, a terceira detenção por posse de drogas, e o juizão não perdoou. Sinclair foi sentenciado a dez anos, sem apelação, isso em 69. O guitarrista Wayne Kramer sempre acreditou que a detenção e a posterior condenação já estavam armadas, trancafiando o louco do empresário para que a banda se calasse. Pelo baixista e pelo batera, o empresário poderia ter morrido na prisão.

Era uma primeira cisão no seio dos cinco. Foi aí, de uma forma indireta que os Beatles e o MC5 se cruzaram. Os ingleses brigaram em 70 também por causa de um (na verdade dois) empresário(s) e quando Sinclair foi preso, John Lennon escreveu uma música sobre essa detenção (no Sometime In New York City). Chegaram a organizar um concerto pela sua libertação, que teve um público de 125 mil pessoas. Depois Lennon iria se arrepender dizendo que Sinclair, liberto, era um mala.

Sem empresário, o MC5 se autogerenciou, afastando-se dos Panteras para gravar o segundo disco (primeiro de estúdio) chamado Back In The USA, produzido pelo crítico de rock da Rolling Stone Jon Laudau, que nunca havia produzido ninguém. Para muitos fãs (e para Sinclair também) esse é um disco quase arruinado pela produção muito limpa em relação ao primeirão, muito sujo. Davis lembra que Laudau os fazia repetir as músicas em busca de uma versão mais “correta”, mas eles nunca tocavam nada duas vezes igual, então esse método simplesmente não funcionava e o Back deixou, de alguma forma, isso claro.

Lançado em janeiro de 1970, o disco trazia clássicos absolutos como “Tonight” (o único compacto do LP, e que nem atingiu as paradas), “Teenage Lust” (a única canção coreografada como se vê no super-8 de Leni ex-Sinclair), “Looking At You”, “Call Me Animal”, mas que não alcançaram nem o sucesso e nem o respeito esperados. Nesse período, além da banda começar a perder espaço para novos grupos como o Grand Funk Railroad, os novos reis do barulho, o grupo se insurgiu contra a liderança natural do fundador Kramer. A partir dessa primeira crise, a gerência passou a ser dividida entre os dois tocadores de seis cordas, o que na prática não mudou muita coisa, apenas mais composições individuais, e menos coletivas, fizeram parte do repertório.

Após gravar um último trabalho, High Time (para os cinco, o melhor dos três álbuns e o disco que mais teve a cara de “Frederico Smithelini” ainda mais com o mais democrático produtor possível, Geoffrey Haslam) a banda terminou seus dias, melancolicamente. Michael e Rob não estavam mais com a banda na Europa dessa última vez. O baixista foi expulso (posto fora do carro no meio da estrada sem passagem de volta - se vira!, disseram) por estar muito mais doido do que os outros e Rob Tyner tinha uma família e a grana certa começou a falar mais alto e, sem cascalho na parada, nada feito. Dennis Thompson também não segurou a barra. O ressentimento nasceu entre os ex-amigos.

Após um último show no Grande Ballroom em Detroit, em um outro e derradeiro reveillon, só que em 1972, pelo cachê de quinhentos dólares, brigados, viciados e frustrados, cada um foi para o seu lado. Kramer ainda tentou remontar a banda com Fred para uma tour européia em 72 na qual os guitarristas foram acompanhados por uma baixista e um batera que nem conheciam, e com quem nem haviam ensaiado. A brincadeira parece que durou uma semana. Depois Kramer andou vacilando, roubando casa dos outros e traficando drogas e por isso tomou uma cadeiazinha. Os outros foram se agrupando por diversas outras bandas.

Logo depois do fim do MC5, Fred se reuniu com Michael que passou a cantar e a tocar um tecladinho Casio na banda Ascension com os auspícios do batera Dennis (um MC3?); Rob Tyner tentou remontar um novo MC5 sem os músicos originais em 77; anos depois o baixista Dennis montou o Destroy All Monsters, uma espécie de “Velvet mais Nico” com Ron Asheton dos finados Stooges; Kramer, depois da penitenciária, foi tocar no Gang War com o adicto Johnny Thunders, ex-New York Dolls; Fred tocou no Sonic’s Rendezvous Band e Dennis inventou um tal de “New Race”. A lista de bandas-pós-MC é enorme.

Os músicos só voltariam a se reencontrar, todos, em 91 quando foi organizado um concerto em benefício da família de Rob Tyner que falecera na pior, deixando a família que ele tanto protegeu, na maior pindaíba. Michael Davis cantou as músicas na ocasião, mas a banda não seguiu adiante. Terminaram na dor e se reencontraram na dor.

Voltando à prisão, Kramer lia alguns jornais ingleses que os chamavam de “pais do punk” durante os anos 70, mas o guitarrista tratava de dar, literalmente a descarga nos tablóides porque punk na prisão era alguém que dava o r... para os outros presos. Aí, a pergunta que não queria calar era: “Tu é punk?”...
 
A década de 60 é fascinante por diversos aspectos, entre eles o pretensamente revolucionário. O maior representante dessa estética rock e armas foi “os cinco da cidade motorizada” (Detroit), que unidos a um pregador revolucionário (Irmão Jesse C. Crawford ou M.C. Jesse Crawford), a um empresário hippie (John Sinclair), e a um partido de ultra-esquerda chamado “Os Panteras Brancas”, revolucionou o mundo do rock naquele distante ano de 1968 com muita panfletagem, som e fúria.

A lenda básica é essa: os cinco gritaram a plenos pulmões: “Kick out the jams motherfucker!” (algo como “Bota pra f...r, seu filho da p..a!) no seu antológico e primeiro disco ao vivo; e por isso - e outras coisitas revolucionárias a mais - foram dispensados pela gravadora. A banda migrou para outro selo, gravou mais dois discos sem muito sucesso e foi excursionar pela Europa onde tentou reavivar a chama. Pelas convulsões provocadas pelo cansaço, muitas drogas e brigas internas, o MC5 se desfez em 72. 

Babes In Arms (1968)

Kick Out The Jams (1969)

Back In The Usa (1970)

High Time (1971)

Teen Age Lust Live, Saginaw Michigan - 1970 (1996)

Starship Live At Sturgis Armory June, 1968 (1998)

66 Breakout! (1999)

The Big Bang The Best Of The Mc5 (2000)
Purity Accuracy, Box Set (2004)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Pra chorar


Não sei quantas vezes escutei essa musica na escuridão do meu quarto , esperando um dia encontrar a minha ramona...era um sonho quase impossivel , mas os Ramones ajudaram esse sonho virar realidade...obrigado


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Relaxando Numa Tarde Quente em Porto Alegre


História do Punk Brazuca



Morando no Sul do país , com outra realidade de vida , o movimento punk não teve o mesmo impacto que teve em São Paulo ,mas a história desses garotos paulistas entediados com o presente e sem nenhuma perspectiva com o futuro é muito parecida com a dos garotos que desbravaram o cenário musical em Porto Alegre nos anos 80.

Deixo com vocês um dos textos mais completos dessa História , escrito por Ariel , um dos garotos da Vila Carolina , Vocalista da banda Invasores de Cérebros e talvez o maior pensador do movimento em solo Tupiniquim.

Memórias de um Invasor 
Parte I 

Encontrei no punk um ideal de liberdade, tanto de criação como na forma de encarar as questões que envolvem a realidade que nos cerca. Pretendo situar as diversas manifestações culturais e alternativas do período que compreende desde minha primeira incursão no rock'n'roll, que foi no início dos anos 70 e que continua com o punk nas décadas seguintes. Não pretendo ser metódico ou mesmo historiador nessa empreitada e, sim, contar um pouco da minha experiência pessoal, tudo sob o meu ponto de vista, pois cada pessoa que viveu esses anos loucos, o viveu sob uma ótica individual.

São maneiras e gostos próprios, paixões tão intensas quanto perigosas e em alguns casos absurdas, numa época onde tudo era novidade e transformação. Deixávamos um mundo antigo e desinteressante para trás, transformando-o em uma cena juvenil empolgante novamente, resgatando idéias musicais e atitudes rebeldes.

Nascia o punk rock, a new wave, o power pop e até mesmo o mod voltava repaginado, ajudando a energizar a cena. Como em todo movimento, jovens do mundo inteiro, cheios de vontade, aderiram a essas novas tendências musicais e comportamentais, compondo assim uma forma própria para cada manifestação artística, criando uma Guerra de Estilos, na qual predominava a originalidade local, pois quanto mais diferente do antigo e principalmente do estilo hippie de ser, melhor.

Tudo o que representasse o velho, estava fora de questão e só o que interessava era o novo, o diferente e o bizarro, pois a geração passada estava muito passiva e acomodada, até mesmo porque tinha crescido e deixado certos ideais de lado, tornando-se adultos preocupados com suas responsabilidades. O começo dessa nova rebelião cultural por aqui foi um tanto quanto confuso, pois além de estarmos um tanto quanto distantes dos grandes centros produtores dessas novas tendências, tudo o que envolve uma transição do velho para o novo, demora para ser digerido por todos e o torna discriminado e mal interpretado.
 
Aos poucos me aprofundarei mais em algumas questões, trazendo lembranças de histórias reais vividas por este Invasor que há 35 anos está envolvido com música, comportamento e subversão de valores num mundo um tanto hostil, perigoso e, por que não, apaixonante.

Memórias de um Invasor 
Parte II

Minha história no punk rock começa a tomar forma em 1974, quando garotos da periferia de São Paulo descobrem haver algo além da música pop e do rock´n`roll comercial. Entre 12 e 16 anos, cansados de escutar esse tipo de música, eles resolvem buscar novas formas de expressão musical.

Classifico como primeiras influências nessa fase maldita e radical, bandas como Alice Cooper, Stooges, MC5, Dust, Pink Fairies, New York Dolls, Blue Cheer, Slade, Blue Öyster Cult, Foghat etc.

Apesar de haverem outras, como Kiss, Deep Purple, Rolling Stones e muitos outros dinossauros, só que já bem domesticados e vendidos como artigos de luxo. O rockabilly, que chamávamos de Brilhantina, também agradava a esse pessoal que gostava de organizar festas em locais que iam desde a casa de alguém, quando sua família ia viajar, até Sociedades Amigos de Bairros, pois os salões de festas desses lugares eram ideais para se agitar um som. No meu bairro havia vários garotos que gostavam dessas bandas e desses agitos tanto quanto eu e alguns amigos meus e assim começamos a nos agrupar para escutar, pesquisar, adquirir, pirar em audições caseiras, discotecar, aprender idiomas, organizar e ir a festas com esse tipo de som. Começamos então a procurar discos desses grupos em lojas do centro da cidade, mas era muito difícil de se encontrar e quando encontrávamos, o preço era muito alto e quando conseguíamos, de alguma forma, repassávamos em fitas cassete para o pessoal. Estávamos nos anos de 70 e em plena ditadura militar, havia censura de todos os tipos e ainda mais para com o rock'n'roll.

Já em 1976, começavam a chegar os primeiros discos da chamada new wave, que não deixava de ser o punk rock com toda sua juventude, rebeldia e espontaneidade, pois o que nos vinha de fora, chegava distorcido, mas nós já estávamos preparados e nossa identificação com esse tipo de som e comportamento foi imediata. Juntamos nossas influências do passado com o novo som que vinha principalmente da Inglaterra e da América e acrescentamos o novo visual que passava a identificar a nova música revolucionária que estava surgindo.

Andávamos em grupo de uns 40 garotos procurando lugares onde pudéssemos ouvir o som do qual gostávamos, mas infelizmente só encontrávamos o rock comercial como opção em salões na periferia da cidade. Fomos à luta e, como diz o ditado, "fizemos nós mesmos" os nossos espaços. Alugávamos salões, arrumávamos aparelhagem, iluminação e todo o resto para podermos curtir o nosso som, além de criar nosso próprio estilo punk, aliás, como existiam muitos jovens inconformados nos subúrbios, periferias e cidades próximas à capital, cada lugar criou seu próprio visual e atitude, sendo que várias cenas se criaram em torno do punk rock.

Conseguíamos nossos discos em lojas que importavam as novidades e os que nós já conhecíamos, através de informações colhidas de várias formas (revistas de cultura jovem, contatos fora do Brasil, programas de rádio etc.), adquiríamos para rolar em nossos sons, criando assim uma disputa pelos melhores lançamentos, pois realmente eram únicos e muito raros. Bandas como Dead Boys, Ramones, the Saints, Radio Birdman, 999, Menace, the Dickies, Speedtwins, London, Clash, Stiff Little Fingers etc. etc. etc. Fazendo um paralelo com os preços atuais, diria que, uma raridade como o primeiro LP dos Dead Boys sairia por Cr$ 500,00, sendo que o salário médio de um office-Boy era Cr$ 400,00. Realmente era muito difícil conseguir os discos sem fazer algum truque, né?

A partir daí, alguns garotos começaram a se interessar por guitarras e surgiram as primeiras bandas punk brasileiras. As garagens da Vila Carolina começam a ser ocupadas por um som cru, vindo de instrumentos vagabundos, tanto quanto os garotos que os empunhavam e não demorou muito para a vizinhança e a polícia tomarem ciência de que uma nova revolução estava acontecendo em seus quintais.

O ano de 1977 seria fundamental para o punk no Brasil, pois já estávamos  incluídos na rebelião musical que havia se instalado no mundo todo e as primeiras bandas começavam a surgir nas periferias da cidade de São Paulo, mais especificamente na Vila Carolina, e a partir do começo de 1978 já tínhamos algumas delas atuando em pequenos clubes de rock´n`roll.

A primeira banda a sair da garagem foi a Restos de Nada, pois já vinha ensaiando desde 77 e era acompanhada por algumas que viriam a seguir, como a AI-5, NAI, Condutores de Cadáver e Cólera, todas com forte ligação à Vila Carolina. O começo foi muito difícil para essas bandas, pois além da péssima qualidade dos aparelhos e instrumentos, as iniciantes enfrentavam preconceitos de todos os lados, inclusive das próprias famílias, que não entendiam direito o que estava acontecendo com aqueles jovens proletários que passaram a ser diferentes num mundo de iguais.

Vivíamos em uma repressão total e todos os nossos direitos eram negados enquanto cidadãos e mesmo assim estávamos empenhados em levar adiante o que havíamos começado, pois nossa rebeldia já estava interligada com garotos do mundo inteiro e já não dava para retroceder. Bem, esse foi o estopim que desencadeou toda uma movimentação que viria a seguir, mas isso já é uma outra história.

Memórias de um Invasor 
Parte III

Uma vila punk chamada Carolina. Encravada entre o Bairro do Limão e a Freguesia do Ó, na periferia da cidade de São Paulo, com muitas fábricas e comércio ao seu redor, a vila é basicamente proletária. Seus moradores, trabalhadores braçais que, por estarem do lado errado do rio, nunca conheceram o luxo e nem desfrutaram da vida, apenas pagavam suas contas, administrando suas misérias.

Vivendo nesse ambiente, só nos aguardava o conformismo de ser como nossos pais ou ir contra essa corrente que nos prendia a essa triste realidade. Havia uma cena rock’n’roll jovem, musical, escolar, junkie, rude e até mesmo fora da lei (que, aliás, é o apelido de uma rua do bairro) caminhando para o radicalismo do punk rock.

A Vila realmente foi o centro aglutinador dessa Nova Onda, pois se punk era a palavra usada para designar pessoas e músicas da pior espécie, nós com certeza estávamos incluídos nessa estranha categoria de arte. Para nós, conviver com toda a decadência da sociedade era até normal, pois estávamos acompanhando a degradação do meio ambiente, a poluição dos rios da cidade, as especulações imobiliária, comercial e industrial e até mesmo a degeneração humana, então porque não jogarmos tudo de volta na cara da sociedade da mesma forma como ela nos tratava?

Atravessando o rio Tietê, que corta a cidade como um câncer, necrosando seu entorno, essa juventude urbana da periferia, via o lado bom da vida sendo desfrutado por poucos e isso só aumentava sua revolta, pois se o lixo era aparente e abundante em seus quintais, nos bairros ricos eles eram acondicionados em embalagens assépticas, porém nada impedia que fossem espalhados em suas calçadas limpas e protegidas e definitivamente foi isso que o punk fez.

Bem, voltando à Vila, havia ali uma escola onde estudava a maioria desses jovens urbanos, que curtiam rock como uma espécie de válvula de escape para suas frustrações e revoltas e nas noites que vinham acompanhadas de bebedeiras, cabuladas na praça em frente à Escola Estadual Tarcísio Álvares Lobo (EETAL), nascia uma das primeiras cenas punks de São Paulo, com verdadeiros delinqüentes juvenis se encontrando para namorar, brigar, fumar e fazer um som, o que atraía alguns personagens estranhos e músicos decadentes da região. Estávamos vivendo a transição do rock para o punk e no meio desse pessoal que estudava e outros que freqüentavam os picos próximos a essa escola, iniciou-se a Carolina Punk.

A Carolina Punk tornou-se a maior e mais temida gangue de São Paulo e a primeira a organizar sons pela cidade, pois ali existia, além de “Rude Boys” que gostavam de uma boa encrenca, os discos dessa nova rebelião musical que chegavam até nós pela única loja que existia numa galeria do centro, que mais tarde passou a ser conhecida como Galeria do Rock. A loja chamava-se Wop Bop e seus donos (Antonio e Renê) importavam pacotes de discos de vinil que até mesmo pela novidade eram completamente desconhecidos por aqui, mas que pela sonoridade e pela arte das capas, agradaram em cheio essa nova horda de bárbaros adolescentes que se identificou com o movimento que estava sendo criado no mundo inteiro.

Algumas dessas bandas conseguiram projeção por reportagens sensacionalistas da grande imprensa, que tentava de alguma forma alertar os pais para que mantivessem seus filhos longe delas, mas que acabou, por motivos óbvios, despertando ainda mais interesse por elas. Existiam por aqui também, algumas publicações voltadas ao comportamento jovem, como a Pop, a edição brasileira da Rolling Stone, a Revista Circus, o Jornal de Música, etc., que passaram a fazer a divulgação, se bem que um tanto distorcida também, dessa nova cena punk e com isso muitas fotos de visuais que foram adotados pelos punks brasileiros da primeira hora, com muitos alfinetes, correntes, paletós velhos, calças Jeans, roupas rasgadas, tênis surrados e a famosa e rebelde jaqueta de couro preta, que era usada por nove entre dez garotos em funções pela cidade.

Como já tínhamos alguns ingredientes necessários, ou seja, música, visual e atitude punk, porque não criarmos também os espaços para curtir essa nova forma de comportamento adolescente? Então vieram os pontos de encontro do punk rock na cidade...

Memórias de um Invasor 
Parte IV

Nos embalos do rock’n’roll selvagem de sábado à noite. A cena que se formou na Zona Norte de Sâo Paulo, além de encrenqueira, era muito musical e criativa. Como não existiam lugares precisávamos criar condições para ouvir e dançar o punk rock.

Estávamos na era da disco music e só o que havia eram discotecas espalhadas pela cidade e uns poucos salões de rock que ficavam distantes uns dos outros, como a Led Slay e a Fofinho, na Zona Leste, Raquete e Portuguesinha, na Zona Oeste, o Esberock, em São Caetano, o Construção, na Zona Norte e o Templo do Rock, no Centro.

Todos tocavam os clássicos do rock’n’roll e as novidades que surgiam desse estilo musical e eram freqüentados por quem realmente estava envolvido com esse tipo de música. Dificilmente acontecia algum show e o que fazia o pessoal sair de sua quebrada eram os sons Mecânicos, geralmente de discos de vinil, fitas cassete ou de rolo, que eram gravadas para esse fim.

Alguns desses salões de rock começaram a ser invadidos por punks de todas as regiões e muitos deles passaram então a fazer parte dessa nova cena que nascia. Na Vila Palmeiras, que é vizinha da Vila Carolina, havia uma discoteca chamada Blue Box, que abrigou os primeiros sons com vinis de punk rock. O pessoal da Palmeiras disputava os discos com o pessoal da Carolina e, apesar de algumas diferenças, estavam juntos desde o início da cena rock do bairro, por volta de 1974, e iam aos mesmos lugares e faziam o mesmo movimento.

Havia também um grupo que curtia um rock´n´roll selvagem, chamado Ostrogodos (depois Jacos Pretos), que também fazia alguns sons em garagens e quintais pelo Bairro do Limão e que tinha uma pequena rixa com os punks da Carolina. Os Ostrogodos andavam no melhor estilo selvagem e rebelde, com jaquetas de couro, calças jeans e botas; gostavam de beber, brigar e agitar um som. Seu maior desafeto era o pessoal da Carolina, que andava com uma jaqueta de marinheiro americana, como a do Pato Donald, preta com listras brancas no punho e na gola.

Esse visual era adquirido na boutique Lixo, mais conhecida como Lixão; ficava na R. Dom José de Barros, próxima à Galeria do Rock, e importava uniformes usados de soldados americanos, que chegavam em containers fechados. Adquirir calças jeans era muito difícil também e para conseguir uma era quase como se fôssemos comprar drogas em alguma boca, pois eram contrabandeadas e só quem as usava eram os malucos que curtiam rock. A moda exigia calça de tergal e usar calças de índigo blue era uma novidade muito mal vista pela sociedade.

Voltando aos sons, os punks da Carolina montaram uma equipe de som chamada The Dolls que, além de fazer festas pelo bairro, fazia também uns dos primeiros sons semanais, aos sábados, na Portuguesinha, na Vila dos Remédios, e os punks da Palmeiras já discotecavam na Blue Box com a Equipe Lúcifer’s Friends. Nessas festas vinham todos os tipos de malucos, de todos os cantos da cidade, inclusive o pessoal que ficava em frente ao Teatro Municipal, que estava na transição entre o movimento hippie e o punk. Como não havia muitos discos dessa nova geração punk, os sons eram feitos com o que tínhamos à mão e rolava muito rock maldito, como opção.

O ano era 76 e já estávamos preparados para entrar de cabeça num mundo verdadeiramente underground, com um estilo próprio de ser, pois além de ser muito difícil arranjar discos e espaços para agitar um som, éramos obrigados a criar nosso próprio visual, com arranjos criativos, feitos por nós mesmos, com materiais buscados nos guarda-roupas de nossos avós, como calças apertadas, paletós fora-de-moda e vários apetrechos estranhos, como alfinetes de fraldas, correntes, clips de papel, tachas etc., pois não estávamos em Londres nem Nova York e sim numa cidade que, além de ser atrasada culturalmente, vivia em uma ditadura imposta por militares e por uma sociedade conservadora ao extremo.

Nossos sons geralmente eram invadidos por policiais e quase sempre acabavam antes do horário e com várias prisões por abuso de autoridade, o que fez de nós inimigos públicos, mas que também nos tornou cada dia mais rudes e dispostos a encarar de frente toda essa repressão.Surgiu daí uma necessidade de continuar insistindo nos nossos propósitos de fazer do punk um Movimento e quanto mais eles endureciam em sua empreitada de nos reprimir, mais criávamos mecanismos de defesa contra a mesmice e a caretice da sociedade da época.

Memórias de um Invasor 
Parte V

Por volta de 1977, quando se estabeleceu o punk rock em São Paulo, havia já diversas gangues atuando nas periferias, subúrbios e cidades próximas à capital e cada uma com um estilo próprio, uma diferente da outra na sua maneira de ser e todas dispostas a conquistar seu espaço nesse novo movimento que surgia.

Seus membros eram completamente amorais e desprovidos de qualquer senso cristão de piedade, os antigos conceitos de bondade haviam sido abolidos, mesmo porque não estavam funcionando já fazia algum tempo.Tudo era novo e incrivelmente excitante dentro das gangues punks, com tudo o que a cidade pudesse oferecer e até mesmo cobrar de você. Tudo o que era velho e decadente passou a ser desprezado e até mesmo hostilizado pelos membros das gangues. Cabeludos em geral não tinham mais vez nas ruas. Hippies e bichos-grilo tornavam-se alvos a partir de então e cada dia que passava a coisa endurecia e tomava um sentido violento.Passando a agir de forma violenta, essa juventude tentava impor sua presença nos lugares onde se curtia punk rock e quando saia da sua quebrada, precisava de muita disposição e coragem para atravessar a cidade sem tomar um prejuízo e se não soubesse se defender, sua história poderia acabar ali mesmo, por medo, pela lei, pela violência da coisa e até mesmo pela morte.

Andar em grupo era questão de sobrevivência até então e como desde a infância esse jovem já convivia num meio cruel e marginal, cada dia mais passou a ser senhor da situação, impondo o terror em atitudes carregadas de ódio contra seus desafetos.

Suas famílias, muito religiosas, pouco podiam fazer para acalmar essa movimentação, com seu deus ou o que quer que fosse moralmente importante para elas. Nada podia convencer essa nova juventude que o que estavam fazendo não era o correto, pois no meio de todas as opressões impostas pela sociedade, esse meio de “auto defesa” não podia ser meramente estético, mas duro e realmente perigoso.

Algumas gangues, por afinidade ou pela convivência, se uniam e passavam a atuar em conjunto, nos salões, na São Bento, na Galeria e apesar da individualidade de cada uma, São Paulo começa a ser dividida em Zonas, como a Zona Norte, Zona Oeste, Sul, Leste, ABC, Guarulhos e todos os municípios vizinhos à capital, com muitos punks engajados nesse movimento, que passam a ser conhecidos primeiro pela região e depois pelo nome da gangue à qual ele pertencia, como por exemplo: fulano é da Norte e da Carolina Punk; sicrano é da Oeste e da Punk Terror e assim por diante, pois numa região poderia haver diversas delas.

Até mesmo a queda para o crime era diferente nas diversas quebradas, diferente também eram o poder bélico, o armamento, o visual, as drogas, a quantidade de punks dispostos à luta e o grau de periculosidade. Algumas eram bem marginais e para sobreviver roubavam, furtavam, traficavam, praticavam estelionato, se prostituíam. Marginais por conseqüência e punks por opção de uma vida louca dentro do rock’n’roll.No meio do caos, surgem as tretas mais violentas do que filme do Charles Bronson.

Memórias de um Invasor 
Parte VI

Caminhando junto da violência e tentando sobreviver sob um novo modo de pensar e viver o rock’n’roll, alguns punks da primeira hora, desiludidos, começam a buscar nos escritores existencialistas, nos filósofos alucinados, nos poetas e dramaturgos radicais alguma inspiração para a falta de perspectivas.
 
Aliando o “Nada” desses pensadores com o “No Future” dessa nova geração, tínhamos que criar uma forma de atitude crítica e atuante contra esse estado de coisas e transportá-las para as ruas e para o Movimento que surgia.O cenário musical na época era meio deprimente, pois havia um sentido de fuga, de desistência, com as drogas psicodélicas servindo de alívio e alienação e poucos estavam envolvidos com uma verdadeira ruptura, apenas queriam ser esquecidos pelo sistema e viver o resto de suas vidas à margem e o que se via era o rock’n’roll se afastando de seu sentido urbano, contestador e energético e a MPB ditando as regras com sua fuga para o campo, suas batas coloridas, suas músicas de protesto light e sua retórica bicho-grilo. Esse estilo era muito escapista e nem um pouco urbano e sendo assim de pouco interesse para nós.

Alguns punks começam a se interessar pela esquerda revolucionária e como as ruas já estavam tomadas por guerras de gangues, tentávamos criar um cenário ideal para uma guerra de classes, de estilos e também uma guerra contra a moral e os bons costumes, para a qual toda a energia dessa parcela descontente da juventude pudesse ser canalizada, dando algum sentido para essa nova movimentação urbana.

Muitos punks escreviam textos, desabafos, poesias, letras de músicas, influenciados pelos pensadores citados e havia uma vontade enorme de divulgação disso tudo e esses escritos circulavam de mão em mão, chegando às vezes aos jornais e revistas da época, atraindo a curiosidade e o interesse em saber quem eram aqueles garotos que vinham das periferias e subúrbios e que tinham uma consciência política e existencialista sem ao menos ter acesso à educação acadêmica.

Nossos valores e atitudes mudaram radicalmente e passamos a nos preocupar com questões muito mais profundas do que apenas brigas de bairros, se bem que estávamos inseridos nelas, pois fazíamos parte disso tudo e a bem da verdade, não tinha que ser diferente, só não aceitávamos a violência gratuita, mas se fosse pra desarrumar, estávamos prontos pra qualquer parada.

Víamos no punk uma nova forma de atuar, com música, idéias, amigos, namoros, bebedeiras, loucuras, brigas, protestos e muita revolta, ou seja, criávamos um ambiente em que nos sentíamos importantes e tudo o que acontecia e que girava em torno dessas funções, era extremamente estimulante. Muitas noites passadas em longas discussões regadas a vinho barato, filosofia idem, música energética e muita camaradagem.

Só na V. Carolina e região, por volta de 1978, já havia mais de 50 punks que se reuniam freqüentemente e trocavam muita informação adquirida e repassada através de textos xerografados ou mimeografados, nos escritórios onde alguns trabalhavam ou nas escolas do bairro. Os discos que chegavam também foram importantes, pois através deles tivemos contato com pensamentos que iam de encontro ao que também sentíamos e, apesar do pouco que chegava por aqui, conseguíamos fazer uma boa seleção de bandas e idéias, buscando as que realmente valiam a pena e que tinham uma mensagem, fosse ela existencialista, como a dos Buzzcocks, anárquica e niilista como a dos Weirdos ou mesmo política como a do Clash e isso estava apenas começando.

Enfim, a cultura, ou melhor, a contra-cultura que acabou se criando com toda essa vontade de fazer do punk um Movimento foi a mola-mestra que manteve o punk rock como alternativa à massificação da cultura de rua em nossa cidade.

Memórias de um Invasor 
Parte VII

Sexo, drogas, punk rock e... uma pitada de confusão. Já no final dos 70, muitos jovens conhecem os prazeres tanto da “carne”, quanto os “artificiais”. Época em que doença venérea significava uma simples “gonorréia”, quanto muito uma coceira chamada “chato”, curáveis com antibióticos e neocid.

Então a liberdade sexual rolava solta e a maioria procurava não se envolver em uma relação séria, o que contribuiu para que as gangues se mantivessem unidas, pois as mulheres do movimento andavam lado a lado com os caras nas funções punks e não estavam a fim de um relacionamento sério com ninguém.

Amorais como os homens, essas mulheres mantinham uma postura feminina, mas ao mesmo tempo buscando se impor num mundo machista e preconceituoso com relação a elas e, tanto no Brasil como em outros países, iam deixando de representar figuras frágeis para se tornarem peças fortes e importantes no movimento.

Essas mulheres eram reprimidas por suas famílias e pela sociedade em geral, com suas escolas e corporações ditando regras de postura em que a condição de submissão estava enraizada e qualquer que fossem os desvios de conduta, deveriam ser reprimidas e as formas de igualdades negadas. Acredito que, por mais que os garotos punks fossem direcionados a essas regras da sociedade, buscávamos uma maneira de quebrar esses tabus e isso incomodava muita gente, pois estávamos nos tornando um perigo iminente num mundo repleto de preconceitos e negações de todos os prazeres mundanos. Já não tínhamos uma religião para nos “guiar” e os preceitos morais já não faziam sentido numa época em que os valores mudavam tão rapidamente que deixavam para trás até mesmo os ideais de Paz e Amor da geração anterior, mesmo porque não queríamos fazer parte da maneira hippie de ser.

Enquanto os hippies punham o “pé na estrada” se envolvendo em comunidades alternativas pelos interiores do Brasil, nós, punks, estávamos tomando os centros urbanos e convivendo com a marginália, tocando o puteiro nas quebradas mais perigosas e isso não era pra qualquer filhinho de papai - esses aliás, começaram a se afastar do pessoal mais radical e violento, contribuindo para que o punk rock ficasse cada dia mais à margem e isolado até mesmo do rock’n’roll que existia na época.

Muitos grupos de jovens viam no punk um movimento passageiro, pois íamos na contramão da história e por mais coerentes que fôssemos em nossas propostas de mudanças, estávamos, talvez, muitos anos à frente de qualquer movimento juvenil e isso não condizia com as formas de protestos que alguns setores da “esquerda” brasileira praticavam. Estávamos interessados em quebrar barreiras musicais, mas também na liberdade de ser diferentes do imposto pela sociedade.

Voltando à putaria, muita coisa acontecia nas longas noites vividas sob o efeito de algum barbitúrico ou estimulante e por mais que se tentava evitar muitos adolescentes encontravam essas drogas em suas próprias casas.Saindo muito cedo de casa, por diversos motivos, muitos punks encontravam conforto entre si, compartilhando sua sexualidade, sua musicalidade, sua rebeldia, suas neuroses e até mesmo suas seringas. Uma convivência diária propiciava a todos uma nova forma de viver o cotidiano numa grande cidade. Tudo era permitido e tentado em forma de sexo, drogas e punk rock e como não haveria futuro, que se iniciasse a grande farra do apocalipse.

Memórias de um Invasor 
Parte VIII

A cena alternativa se fortalecia com o movimento punk e o que nos sobrava estava além de uma simples gangue, pois nossos objetivos já haviam ficado grandes demais para nossas quebradas. Não nos era permitida liberdade de expressão. Restava conquistar o mundo com o que tínhamos na mão, ou seja, NADA.

Tínhamos textos em forma de desabafos, mas nada que repercutisse fora de nosso meio, pois poderia ser até perigoso.Precisávamos criar um canal para que toda nossa atitude fosse manifestada com estilo, mesmo porque víamos o mundo de uma forma diferente e isso tinha que servir ao menos para quebrar alguns tabus. Até então era mais fácil para eles embalar tudo e entregar pronto, com as grandes corporações produzindo formas de cultura massificada e preparada no forno de uma sociedade hipócrita e decadente. Hinos ufanistas e MPB intelectual demais para ser aceita pelos garotos do subúrbio e isso passou a ser um problema também para o lado do rock´n´roll.

Onde estava minha música feita para dançar? Será que teria de partir para a disco music para poder chacoalhar o esqueleto? O rock tinha se tornado grande demais e chato demais para “as massas” e só quem era do meio sabia o que estava rolando, precisávamos tirar esse cordão de isolamento entre pessoas que faziam música e as que assistiam, ainda mais que estava todo mundo envolvidíssimo nas mesmas paradas.

Os discos gringos começaram a chegar e percebemos que os selos centrais dos vinis estavam bem diferentes daqueles a que estávamos acostumados, outros nomes de gravadoras muito mais criativos, coloridos, com impressões imprecisas, figuras deformadas com frases e poses ameaçadoras. Tudo o que a gente queria em forma de arte e atitude, pois alguém em algum lugar estava com o mínimo fazendo o máximo, utilizando o que tinha na mão, o que às vezes era bem pouco para tanta criatividade. O toque já havia sido dado: Faça Você Mesmo! Só cabia a nós fazer a coisa acontecer e transformar nossa cruel realidade em algo mais interessante.

A partir daí, surgiu uma leva de garotos que empunhavam textos existencialistas, carregados de uma urbanidade juvenil e como o princípio da coisa era musical, nada mais natural que alguém surgisse com algum instrumento e começasse a tirar algumas notas, mesmo não sabendo tocar porra nenhuma.

Os textos produzidos pela molecada acabavam servindo para uma tentativa de se fazer encaixar nesses poucos acordes que insistiam em sair de violões baratos, muitas vezes emprestados de algum parente com alguma aptidão musical. Formavam-se rodas para essas audições, geralmente em aulas cabuladas e regadas a vinho barato nas portas das escolas do bairro e quem já sabia alguma coisa ensinava para o outro e aí uma vontade enorme de se fazer uma banda tomou conta do pessoal.

Pelo menos duas bandas de punk rock nacional eu vi nascer dessa maneira e como estávamos na vanguarda brasileira em termos de discos de vinil, tanto dos malditos dos anos 60 e 70 quanto das mais atuais bandas punks que acabavam de sair lá fora, nossa influência passou a ser toda essa bagagem musical, voltada para uma sonoridade mais rude e de uma certa forma existencialista.

As primeiras bandas que realmente tinham toda essa vivência dentro desse tipo de rock’n’roll, seja no sentido musical ou de comportamento, foram Restos de Nada e Condutores de Cadáver. Começaram no final de 1977 a ensaiar suas músicas não apenas por diversão ou para se tornar astros do rock, mas sim, para, com estilo, ser a Nova Onda rebelde que varreria, como um tsunami, toda a pose patética dos velhos rockstars, criando uma nova forma de se fazer música, ou seja, com o mínimo fazer o máximo, ou como diria T.V. Smith: “One Chord Wonder”.

Primeiras bandas

Acompanhando a Nova Onda musical que surgia principalmente nos EUA e UK, a movimentação punk que havia tomado corpo em São Paulo e que se estabelecia na periferia da cidade, já criava uma cena musical, composta basicamente por AI-5, Restos de Nada e Condutores de Cadáver, que foram o estopim do novo estilo por estas paragens.

Do centro da cidade veio a AI-5, que era a banda do Sid (Valson) que trampava na Wop Bop e era antenado com as novidades vindas de além-mar que chegavam à loja instalada na Galeria, que ainda não era a do Rock. A banda AI-5 era o punk rock em seu estado musical, estético e debochado, pois além de estarem na última moda européia em termos de visual punk (inclusive o baixista era parecidíssimo com o Sid Vicious, dos Sex Pistols, daí seu apelido), sua música estava inserida na nova proposta musical, que era muito diferente das produções da época. Também tinham uma pegada crítica quanto aos novos ídolos pop, como John Travolta e a roqueira Rita Lee.

Durou de 1978 a 1979 e participou, junto com a banda Restos de Nada, do primeiro show de punk rock em São Paulo, num porão de uma padaria abandonada, no Jardim Colorado, zona leste da capital, promovido por Kid Vinil, um radialista da então rádio Excelsior, que acabou se tornando um dos maiores divulgadores do estilo no Brasil. A música mais conhecida da banda era uma que falava justamente desses novos ídolos que infestavam a mídia. Era o tempo da disco music, com suas discotecas ditando a moda da época e também de uma MPB que se tornava mais pop e descompromissada, ao invés do engajamento de anos anteriores.

O nome AI-5 remetia ao famigerado Ato Institucional nº. 5, criado pela ditadura militar e que consistia principalmente de uma medida para calar os detratores do sistema vigente. Esse nome era pesado demais para a situação do país e mesmo não sendo uma banda com propostas políticas de qualquer espécie, só pelo fato de estarem usando esse nome poderiam sofrer, a qualquer momento, alguma represália do governo militar. Sua música mais conhecida passou a ser “John Travolta”, que apesar de não ter um registro fonográfico decente, ficou como um hino cult do começo do punk no Brasil.

Da Zona Norte da capital paulistana, veio a Restos de Nada, que tinha entre seus integrantes Ariel, Douglas e Clemente, alunos do EETAL (Escola Estadual Tarcisio Álvares Lobo), da V. Carolina, Bairro do Limão. Criada durante a efervescência política da época (1978), buscava no existencialismo uma razão de espantar seus fantasmas e transformar seus medos em atitudes contra o “status quo” imposto pelo regime militar que caçava impiedosamente seus inimigos.

O único membro que não era da escola, mas que frequentemente estava na saída das aulas para encontrar o pessoal que curtia rock, era o Charles, que tinha uma formação musical mais apurada dentro da MPB engajada e que, empolgado com a nova sonoridade do punk rock, decidiu participar dessa nova forma de se fazer rock'n’roll.

O Charles tocava violão e flauta e junto dos amigos, Hamiltom, Mário, Rogério, Procópio, Marcos, Almir, Anita e muitos outros “roqueiros” da região, fazia um som que mesmo não tendo uma sonoridade punk, tinha tudo a ver com o Faça Você Mesmo que direcionou o movimento para uma forma livre de se fazer música. O Douglas tinha uma certa formação musical vinda de seu pai, que tocava acordeon e que o incentivava a tocar um instrumento também, coisa rara nessa época.

O Clemente também já começava a praticar um violão, aproveitando o parceiro que compartilhava desse mesmo gosto e junto com o Charles e os “roqueiros alternativos da Carolina”, passam a integrar um grupo que freqüentava a praça em frente à escola para juntos beber, namorar, fazer um som e, naturalmente, cabular as aulas. Eu fui o único que participava desse grupo que não tocava nenhum instrumento, talvez por uma insistência autoritária paterna em que eu aprendesse a tocar violão, coisa de adolescente rebelde.

Na verdade, a banda começou com um outro vocalista chamado Eder (Babaca) que era punk da Carolina e também estudava no EETAL, mas depois de alguns contratempos com sua falta de musicalidade e insistência da minha parte em mostrar os textos que escrevia, acabei entrando na banda no final de 1978.


A Restos de Nada durou de meados de 1978 ao final de 1980, pois já tínhamos mudado várias vezes de formação e a cena mudando também para pior, com as gangues tornando-se cada dia mais violentas e sem sentido. RDN deixou um grande legado em termos de composição musical, com um diferencial existencialista e revolucionário nas letras e um som mais elaborado musicalmente, sendo referência para as bandas punks que vieram a seguir.

O único registro em vinil só veio a acontecer em 1987, com um LP lançado pela Devil Discos e contando com a formação original de 1978. Da formação original, restavam apenas o Douglas e eu, pois o Clemente já havia abandonado a banda para formar outra, mais próxima das gangues, chamada Condutores de Cadáver, junto com o Callegari e o Nelsinho TecoTeco, da gangue da Carolina, e o Índio, que era da gangue Ostrogodos.

A Condutores de Cadáver nasceu de uma outra tentativa de banda chamada N.A.I. (Nós Acorrentados no Inferno), que durou apenas um show, no EETAL, junto com a primeira formação da Restos de Nada, com o Eder no vocal. Os shows das duas bandas foram um completo desastre e depois disso, resolvem trocar seus integrantes. Após esse som, no final de 1979, a Condutores, que era limitada musicalmente, decidiu recrutar o Clemente que já tocava baixo razoavelmente bem e assim deixou a Restos para integrar a banda do Callegari e do Índio.

Muito diferente da proposta da Restos de Nada, a Condutores preocupava-se mais em chocar a audiência com as performances de seu vocalista e com as letras mais blasfemas do punk rock nacional. No início, as bandas sempre se apresentavam juntas, pois nenhuma tinha aparelhagem suficiente para fazer um show solo.

Acredito que o show mais importante que o Condutores fez foi no Teatro Pulga, no Centro de São Paulo, onde a banda do Kid Vinil, a Verminose, estava se apresentando. Com a chegada da gangue da Carolina, com a formação completa da banda também presente, seria inevitável que tentassem se apresentar e pela pressão exercida pelos punks ali presentes, é óbvio que o Kid cederia seus instrumentos para a apresentação da Condutores de Cadáver.

Outro som memorável foi na PUC em 1980, com todas as gangues de São Paulo presentes. A banda não deixou nenhum registro fonográfico na época, o que foi feito já nos anos 2000, com a gravação de um EP em vinil pela própria banda.

Após o término da banda em 1981, outra se formou e se mantém até hoje, mas essa já é uma outra história...