Detroit é, até hoje, o coração do
meio-oeste norte-americano. Após a Segunda Grande Guerra, a cidade viveu seu
“boom” particular. Uma cultura industrial nasceu em torno dessa “máquina”,
somando-se a isso a chegada de muitos imigrantes foragidos da Segunda Guerra e
da Coréia. Aterrissaram aos montes nas cidades do norte para trabalhar nas
fábricas. Nesse cenário, uma nova atitude e uma nova música jovem surgiram.
Todos tinham emprego e a cidade prosperava. Talvez por isso, mais do que em
qualquer outra cidade americana no mesmo período, os brancos e negros dialogavam
abertamente. Detroit era uma cidade operária aberta ao novo, sem distinção de
raça ou classe social. No início dos 60 os grandes nomes eram Duane Eddy, the
Ventures, Beach Boys do começo, Motown, Stax, Otis Redding até a chegada da
invasão inglesa, que incentivou a molecada a fundar bandas e mais bandas.
Fundado em Detroit no ano de 64/65 pelo
vocalista Rob Tyner (durante a adolescência Tyner pegou emprestado o nome do
pianista do John Coltrane, McCoy Tyner, para seu nome artístico) e pelos
guitarristas Fred Smith (que tocava bongô antes das cordas) e Wayne Kramer (que
ensinou Fred a tocar guitarra), a banda ainda contava com Bob Gaspar na bateria
(já falecido) e Pat Burrows no baixo, que não desejavam findar seus dias como
operários. Esse primeiro batera saiu reclamando: “Tenho que ficar dando porrada
na bateria porque esses caras tocam cada vez mais alto! Tô fora!”. Michael
Davis, que não foi o primeiro baixista, só entrou na banda porque usava
botinhas iguais às dos Beatles (o que impressionou Kramer) e porque o baixista
original ficou passado com Kramer alegando que não queria mais tocar aquela
música maluca (a escola de Burrows era mais na praia da Motown, tipo James
Jamerson) e caiu fora. Depois aterrissou o batera Dennis Thompson para completar
a formação clássica.
No início, o MC5 era uma banda de
covers (que tocava Who, Kinks, Them, Yardbirds, R&B, James Brown, Rolling
Stones) com apenas uma canção inédita, a experimental e atonal “Black to Comm”,
exatamente a mais “barulhenta”, que tornou-se a música que “expulsou” o
baixista e o batera originais. A proposta musical do MC-5 não era só fazer
barulho para entorpecer ouvidos, como pode parecer, mas sim trazer a liberdade
artística e musical a todos. O conceito deles unificava linguagens aparentemente
díspares como o rock and roll básico de Chuck Berry com o “freedom jazz” de
figuras como Coltrane, Ornette Coleman, Albert Ayler e do louquíssimo Sun Ra,
mais o soul de James Brown, a todo volume! George Clinton, do Funkadelic,
comentou certa vez que, ao assistir o MC5 ao vivo, decidiu montar um grupo de
negros que tocassem no mesmo volume, com o mesmo tipo de equipamento. Negros
que influenciam brancos, que influenciam negros que influenciam...
A casa de shows que mandava na área era
a Grande Ballroom, fundada pelo professor de Inglês e História Russ Gibb, que
nas horas vagas era D.J. O sonho de Gibb foi trazer à cidade uma espécie de
Fillmore, a grande casa de shows de rock da costa oeste dos Estados Unidos. O
que faltava para Detroit era um lar para o rock and roll e a primeira banda
residente passou a ser os “cinco”. A cidade ficou de pernas para o ar de uma
hora para a outra. O MC5 se fez por lá com shows altíssimos e aterradores.
Dennis lembra que eles adoravam tocar em um colégio católico da região porque
colocavam no palco cabeçotes com oito caixas Marshall para as guitarras e mais
duas cabeças Sunn para o baixo, isso sem microfonação para a bateria, o que
obrigava Dennis a esmurrar o instrumento. O resultado de tantos decibéis era
uma massa física impulsionada no ar pela força dos alto-falantes. O público
adorava e o MC5 também, porque eles viam os chapéus das freiras (tipo Noviça
Rebelde) balançarem por causa do impacto dessa massa sonora!
Todo mundo adorava, mas ninguém queria
empresariá-los. O único que amou a banda de cara, e decidiu chamar a si essa
tarefa, foi o maluquete/saxofonista/hippie John Sinclair que passou a
utilizá-los como “pano de frente” da revolução. Sinclair trazia a rodo uma
comuna hippie chamada Trans-Love (Energies) porque naquela época era importante
fazer parte de uma família “alternativa”, que não fosse a tradicional. Entre
67/68, os Estados Unidos fervilhavam politicamente. Acreditava-se que a
revolução era possível e que estava prestes a acontecer. Nixon e Vietnã. A (re)pressão
da polícia acabou sendo tanta que a banda e a comuna se mudaram de Detroit para
Ann Arbor, uma cidade bem mais tolerante, a quase cinqüenta quilometros a
oeste.
Inicialmente o MC5 comungava com alguns
princípios hippies de Sinclair, mas assim que assinaram com a Elektra para o
primeiro disco, os Trans-Love foram sendo substituídos por um novo grupo
político-reaça e a banda tornou-se a eminência não-parda dos Panteras Brancas
(cujo lema era “rock’n’roll, drogas e f...r nas ruas”) que, como o nome diz,
era a filial “branca-azeda” dos Panteras Negras, partido fundado em 66 para
acabar com a discriminação contra os negros na base da violência e da luta
armada.
O “ministro da defesa” do
partido-versão-branca, (listado no disco ao vivo como Pun Plamondon) tentou
explodir o escritório de recrutamento da CIA com uma bomba caseira. Os Panteras
Negras chamavam essa versão do partido com branquelos revolucionários de
“palhaços psicodélicos” e como está no livro Mate-me Por Favor, os MC5
treinavam tiro ao alvo no quintal da casa comunitária em que viviam, mais por
diversão e por excesso de barbitúricos na idéia, do que por causas
revolucionárias. No final das contas, para eles, e somente para eles, tudo não
passava de diversão. Os shows foram acontecendo, os tumultos na platéia também,
o nome da banda foi se espalhando, mas um evento deixou o nome MC5 na história
musical e política dos States.
O caos aconteceu no Chicago Festival of
Light em agosto de 1968. O cenário era esse: a banda protestava, em um curtíssimo
set de apenas cinco músicas, contra a convenção do Partido Democrata que
ocorria na cidade. A cena já estava montada quando a banda detonou seu
show-protesto e o retorno veio sem se fazer esperar: garrafas voaram, a polícia
sedenta por sangue e montada em eqüinos desceu o cacete no povo: power to the
people e black is beautiful. A fama estava feita. O romancista Norman Mailer,
cobrindo a Convenção para a revista Harper, descreveu o poder sônico dos cinco
poeticamente: “As trombetas dos hunos fariam o mesmo barulho?”, além de
acrescentar que “O ápice do ruído elétrico tornara-se o clímax eletro-mecânico
de toda uma era”.
A Elektra correu para assiná-los,
através do diretor artístico do selo, o amigo/gay/loucaço Danny Fields (que em
2002, disse ter transado com Pete Townshend, do Who naquela época). “Nós
realmente acreditávamos que poderíamos mudar o mundo”, Kramer afirmou certa
vez. “Queríamos crescer e ser como John Coltrane ou o Camarada Mao.” Um pouco
distante dessa opinião, o vocalita Rob Tyner alegava que a “politicalização” em
torno deles era apenas uma fantasia do empresário: “John Sinclair criou a
ilusão de algo grande e forte atrás dele, para dar a impressão de que se alguém
tentasse nos f...r, na verdade estaria f.....o com uma grande organização que
te pegaria de jeito.”
O primeiro disco, Kick Out The Jams,
gravado no reveillon Zenta (o que quer que seja isso) entre os dias 30 e 31 de
outubro de 68 foi promovido com o slogan: “Fo..-se a Hudson” porque essa cadeia
de lojas havia banido o álbum, exatamente pelo título chulo na capa. Tira o
Motherfucker!, deixa o Motherfucker! A gravadora Elektra, assistindo o LP
chegar ao trigéssimo lugar da parada como um foguete, decidiu recolher o
trabalho por causa da canção-título, além de apagar o texto-bandeira do
empresário John Sinclair da capa, e os demitiu ao iniciar a gravação do futuro
segundo LP. Sinclair negociava um acordo para o segundo álbum, quando soube que
a banda não poderia se apresentar no Miami Pop Festival, pois a polícia da
Flórida expedira uma ordem de prisão para o grupo, caso eles colocassem os pés
por lá.
A Atlantic os pescou (mas se arrependeu
a posteriori) para lançar esse mesmo segundo álbum. Sinclair ainda trabalhava
para que eles musicassem o trabalho Paradise Now do grupo experimental de
teatro The Living Theatre. Tudo isso dentro do espírito coletivo plantado (?)
pela comunidade Trans-Love em
Michigan. Mal sabia Sinclair e o povo da comuna que os cinco
estavam doidos para cair fora daquela galera toda, do Trans-Love e dos Panteras
Brancas. A resenha do Kick Out The Jams feita por Lester Bangs na Rolling Stone
decepcionou a banda. Eles esperavam a aprovação do grande Lester e o que o
crítico disse é que Kramer não conseguia tocar e nem afinar a guitarra. Logo o
homem que viria a babar o ovo do Raw Power, dos Stooges, anos depois, um disco
essencialmente mal tocado (porém genial!).
Um pouco antes, o empresário Sinclair
havia sido espancado pelos seguranças e policiais de um clube para
adolescentes. Alguns afirmam que ele atraía confusão “Ele se queimava sozinho”,
já sentenciou o baixista Michael Davis. O guitarrista Fred “Sonic” Smith
apareceu para ajudar Sinclair, agredindo seu agressor. Julgados conjuntamente,
Fred foi liberado e Sinclair sentenciado a dois anos e meio com cabeça raspada
e tudo. Através de manobras jurídicas, Sinclair foi posto em liberdade mas logo
depois foi preso por carregar duas baganas, a terceira detenção por posse de
drogas, e o juizão não perdoou. Sinclair foi sentenciado a dez anos, sem
apelação, isso em 69. O guitarrista Wayne Kramer sempre acreditou que a
detenção e a posterior condenação já estavam armadas, trancafiando o louco do
empresário para que a banda se calasse. Pelo baixista e pelo batera, o
empresário poderia ter morrido na prisão.
Era uma primeira cisão no seio dos
cinco. Foi aí, de uma forma indireta que os Beatles e o MC5 se cruzaram. Os
ingleses brigaram em 70 também por causa de um (na verdade dois) empresário(s)
e quando Sinclair foi preso, John Lennon escreveu uma música sobre essa
detenção (no Sometime In New York City). Chegaram a organizar um concerto pela
sua libertação, que teve um público de 125 mil pessoas. Depois Lennon iria se
arrepender dizendo que Sinclair, liberto, era um mala.
Sem empresário, o MC5 se autogerenciou,
afastando-se dos Panteras para gravar o segundo disco (primeiro de estúdio)
chamado Back In The USA, produzido pelo crítico de rock da Rolling Stone Jon
Laudau, que nunca havia produzido ninguém. Para muitos fãs (e para Sinclair
também) esse é um disco quase arruinado pela produção muito limpa em relação ao
primeirão, muito sujo. Davis lembra que Laudau os fazia repetir as músicas em
busca de uma versão mais “correta”, mas eles nunca tocavam nada duas vezes
igual, então esse método simplesmente não funcionava e o Back deixou, de alguma
forma, isso claro.
Lançado em janeiro de 1970, o disco
trazia clássicos absolutos como “Tonight” (o único compacto do LP, e que nem
atingiu as paradas), “Teenage Lust” (a única canção coreografada como se vê no
super-8 de Leni ex-Sinclair), “Looking At You”, “Call Me Animal”, mas que não
alcançaram nem o sucesso e nem o respeito esperados. Nesse período, além da
banda começar a perder espaço para novos grupos como o Grand Funk Railroad, os
novos reis do barulho, o grupo se insurgiu contra a liderança natural do
fundador Kramer. A partir dessa primeira crise, a gerência passou a ser
dividida entre os dois tocadores de seis cordas, o que na prática não mudou
muita coisa, apenas mais composições individuais, e menos coletivas, fizeram
parte do repertório.
Após gravar um último trabalho, High
Time (para os cinco, o melhor dos três álbuns e o disco que mais teve a cara de
“Frederico Smithelini” ainda mais com o mais democrático produtor possível,
Geoffrey Haslam) a banda terminou seus dias, melancolicamente. Michael e Rob
não estavam mais com a banda na Europa dessa última vez. O baixista foi expulso
(posto fora do carro no meio da estrada sem passagem de volta - se vira!,
disseram) por estar muito mais doido do que os outros e Rob Tyner tinha uma
família e a grana certa começou a falar mais alto e, sem cascalho na parada,
nada feito. Dennis Thompson também não segurou a barra. O ressentimento nasceu
entre os ex-amigos.
Após um último show no Grande Ballroom
em Detroit, em um outro e derradeiro reveillon, só que em 1972, pelo cachê de
quinhentos dólares, brigados, viciados e frustrados, cada um foi para o seu
lado. Kramer ainda tentou remontar a banda com Fred para uma tour européia em
72 na qual os guitarristas foram acompanhados por uma baixista e um batera que
nem conheciam, e com quem nem haviam ensaiado. A brincadeira parece que durou
uma semana. Depois Kramer andou vacilando, roubando casa dos outros e
traficando drogas e por isso tomou uma cadeiazinha. Os outros foram se agrupando
por diversas outras bandas.
Logo depois do fim do MC5, Fred se
reuniu com Michael que passou a cantar e a tocar um tecladinho Casio na banda
Ascension com os auspícios do batera Dennis (um MC3?); Rob Tyner tentou
remontar um novo MC5 sem os músicos originais em 77; anos depois o baixista
Dennis montou o Destroy All Monsters, uma espécie de “Velvet mais Nico” com Ron
Asheton dos finados Stooges; Kramer, depois da penitenciária, foi tocar no Gang
War com o adicto Johnny Thunders, ex-New York Dolls; Fred tocou no Sonic’s
Rendezvous Band e Dennis inventou um tal de “New Race”. A lista de
bandas-pós-MC é enorme.
Os músicos só voltariam a se
reencontrar, todos, em 91 quando foi organizado um concerto em benefício da
família de Rob Tyner que falecera na pior, deixando a família que ele tanto
protegeu, na maior pindaíba. Michael Davis cantou as músicas na ocasião, mas a
banda não seguiu adiante. Terminaram na dor e se reencontraram na dor.
Voltando à prisão, Kramer lia alguns
jornais ingleses que os chamavam de “pais do punk” durante os anos 70, mas o
guitarrista tratava de dar, literalmente a descarga nos tablóides porque punk
na prisão era alguém que dava o r... para os outros presos. Aí, a pergunta que
não queria calar era: “Tu é punk?”...
A década de 60 é fascinante por diversos aspectos, entre eles
o pretensamente revolucionário. O maior representante dessa estética rock e
armas foi “os cinco da cidade motorizada” (Detroit), que unidos a um pregador
revolucionário (Irmão Jesse C. Crawford ou M.C. Jesse Crawford), a um
empresário hippie (John Sinclair), e a um partido de ultra-esquerda chamado “Os
Panteras Brancas”, revolucionou o mundo do rock naquele distante ano de 1968
com muita panfletagem, som e fúria.
A lenda básica é essa: os cinco
gritaram a plenos pulmões: “Kick out the jams motherfucker!” (algo como “Bota
pra f...r, seu filho da p..a!) no seu antológico e primeiro disco ao vivo; e
por isso - e outras coisitas revolucionárias a mais - foram dispensados pela
gravadora. A banda migrou para outro selo, gravou mais dois discos sem muito
sucesso e foi excursionar pela Europa onde tentou reavivar a chama. Pelas
convulsões provocadas pelo cansaço, muitas drogas e brigas internas, o MC5 se
desfez em 72.
Babes In Arms (1968)
Kick Out The Jams (1969)
Back In The Usa (1970)
High Time (1971)
Teen Age Lust Live, Saginaw Michigan - 1970 (1996)
Starship Live At Sturgis Armory June, 1968 (1998)
66 Breakout! (1999)
The Big Bang The Best Of The Mc5 (2000)
Purity Accuracy, Box Set (2004)
http://www5.zippyshare.com/v/4280066/file.html
http://www18.zippyshare.com/v/60229638/file.html
http://www18.zippyshare.com/v/60229638/file.html
Senha/ Password - Muro
3 comentários:
re-up please, the box set
Can you PLEASE re up Babes In Arms? Please?!?
Reup ok , my friend
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