1977. Era uma vez o punk rock. Na inglaterra velhinhas arrancavam os cabelos com o vocabulário crasso dos Sex Pistols e seu desrespeito pelas instituições da monarquia Britânica. Do outro lado, a juventude inconformista das ruas aclamava o punk como o movimento que finalmente dava voz aos desajustados. Um movimento que permitia que a molecada tomasse o rock de volta para ela, uma música que falava de temas reais, agressivos e relevantes. Enfim, era algo novo, excitante e deles. Mas nem tudo são flores. A indústria cultural viu no punk uma nova oportunidade de ganhar dinheiro, e contratou todos os principais nomes do movimento. Da mesma forma, bandas oportunistas pularam no vagão do punk rock sem ter de fato a essência da coisa no coração. Não preciso nem dizer que em questão de meses o punk estava virtualmente morto, assimilado, diluído dentro do incestuoso caldeirão da mídia e das gravadoras. Mesmo bandas honestas, até mesmo algumas independentes, abandonavam o esporro punk em nome de sonoridades mais "criativas", letras mais "introspectivas", idéias mais "artísticas".
O fato é que na inglaterra de 1977, o punk foi a "sensação do ano", e todos sabem que "sensações do ano" não duram mais do que um ano. Foi fogo de palha, e em 1978 a coisa já tinha meio que ido para o brejo. Eu proponho uma brincadeira divertida. Pegue as principais bandas punks da primeira geração que lançaram pelo menos 2 ou 3 discos. Observe como o segundo ou terceiro disco sempre é mais levinho, tem teclados, letras mais "na manha" e arte mais elaborada. Não é por acaso. Mas não foi para o brejo para todo mundo. Se os grandes nomes abandonaram o barco, a mídia e as gravadoras se desinteressaram, a molecada, que deveria ter sido a dona do punk desde o começo se manteve fiel.
O punk foi abandonado pelo sistema (que para cooptá-lo precisou transformá-lo em new wave), e adotado pelos fanáticos, pelos casca-grossa. Fanático e casca grossa justamente são traduções livres para o termo inglês "hard-core". Logo, tanto na inglaterra quanto nos EUA, novas versões mais extremas do punk começaram a aparecer, contrastando com a new wave, o pós punk e todos os subprodutos diluídos do fenômeno original. Na inglaterra, o Oi! , o anarco-punk e o chamado "punk's not dead" (muitas vezes considerado o hardcore inglês), foram as mais célebres facções dessa agressiva retomada aos fundamentos do punk rock.
Já nos EUA, aparecia (especialmente no sul da California e em Washington D.C.) uma vertente violenta, seca e desagradável, apelidada de hardcore-punk. A música era ultra rápida, cada vez mais despida de "rockismos" (solinhos, ranço hard-rock, etc...), agressiva, distorcida. Uma nova batida de bateria, o 2/2 (apelidado de paco-paco) mega-veloz, enterrava de vez o resquício blues 4/4 do rock and roll. Enfim, eram bandas que pegavam o punk, tiravam dele apenas o que achavam essencial, exageravam essa "essência" e jogavam o resto no lixo. Da mesma forma, o público também era "mais rápido", "mais agressivo", e mais jovem. Se em Nova York a cena punk do final dos anos 70 girava em torno de uma elite de junkies sado-masoquistas de 25, 30 anos leitores de Rimbaud e amigos do Andy Warhol, essa nova cena do sul da California era formada por surfistas/skatistas/gangueiros adolescentes com cabeças raspadas, músculos exercitados pelos esportes radicais, brigas e vandalismo, e um ódio mútuo pela polícia mais violenta dos EUA, o L.A.P.D. (departamento de polícia de Los Angeles). Essa galera vinha principalmente de cidades praianas próximas a L.A., e desse pessoal surgem bandas célebres como Black Flag, Circle Jerks, Adolescents, Redd Kross, China White, Bad Religion, entre outros.
Mas antes mesmo de haver o termo "hardcore", ou uma diferenciação entre os públicos "intelectual maduro" e "adolescente tosco" era fácil de perceber que a California era o berço de algo novo, algo mais agressivo, mais direto e mais intenso (vide a discografia). Muitas das primeiras bandas punks de Los Angeles, como Dils, Germs e o próprio Black Flag eram muito mais podres do que qualquer coisa da época em qualquer lugar do mundo. Certo, a política dos Dils era proveniente do esquerdismo do Clash, mas se o Clash era político "às vezes", os Dils eram Marxistas linha-dura. Da mesma forma, o niilismo dos Germs vinha diretamente do Iggy Pop e do Sid Vicious, mas também era exagerado e embebido numa música anos-luz mais agressiva. Já o Black Flag continha praticamente todos os ingredientes da "receita" hardcore.
Até que por volta de 1980, já havia em L.A. uma clara diferenciação entre a galera punk "da antiga" (que havia começado a cena punk local longínquos 3 anos antes), mais velhos, intelectualizados e cada vez mais interessada em propostas estéticas criativas, e o contingente de moleques brutais de cabeça raspada. Ia embora o pogo estilo inglês (pulos no mesmo lugar), e em seu lugar entrava a chamada Slam Dancing (porradaria, stage dives, rodas, etc...). A violência estética finalmente se transformava em violência física, ainda que de maneira "camarada", entre parceiros. Da mesma forma, o ódio à autoridade que existia nas letras punks se transformava em algo real. Shows do Black Flag eram frequentemente perturbados pela tropa de choque, e não era raro haver helicópteros da polícia sobrevoando os locais (cordões de isolamento e gás lacrimongêneo então eram lugar comum). Ainda na Califórnia, mais ao norte, em São Francisco, uma banda com um nome extremamente chamativo começava a se destacar. Eram os Dead Kennedys, com um punk agressivo como o de L.A., extremamente irônico e politizado, e com idéias musicais das mais variadas (influência de Surf Music, Jazz, Rockabilly, trilhas sonoras de faroeste, etc...). Os shows brutais, o som rápido e violento e a política radical, certamente faziam deles dignos representantes do tal "hardcore-punk".
No outro extremo do país, em Washington D.C., uma banda chamada Bad Brains estava, desde 78/79 fazendo um punk rock totalmente novo, mais rápido e sem regras. Ao contrário da maioria dos punks americanos, os Bad Brains eram negros e até ouvirem discos dos Sex Pistols, Ramones e Damned, tocavam Jazz-Funk. De qualquer maneira, havia uma força sobrenatural unindo-os com seus comparsas californianos, e já em 1979 o som da banda era rápido o suficiente para ser chamado de hardcore até hoje. Em volta dos Bad Brains, surge na cidade uma turma de punks adolescentes que tinham muito a ver com a galera de L.A. de que falávamos acima, com a diferença de serem mais pacíficos e não beberem nem se drogarem. Dessa galera surgem várias bandas, em especial os Teen Idles e o S.O.A.. Pois em 1980, os Teen Idles vão tocar na Califórnia, assistem os Circle Jerks e os Dead Kennedys, vêem seus primeiros stage dives, fazem amigos e voltam para Washington sentindo-se totalmente identificados com o que rolava em L.A. Junto com a banda foi o amigo nº1 deles, o vocalista do S.O.A., Henry Garfield. Henry, cerca de um ano depois entraria no Black Flag, mudaria seu nome para Henry Rollins e se transformaria em um ícone do hardcore (e, anos depois, rockstar e ator de filmes ruins). Já os Teen Idles acabam no final de 80, se transmutando numa nova banda, o Minor Threat, que rapidamente iria se tornar tão importante quanto as bandas californianas que os inspiraram.
A turma de Washington levou para casa elementos estéticos e musicais da cena californiana, tais como a cabeça raspada e o "slam-dancing", e conforme foram ficando conhecidos, o vírus do hardcore se espalhou pela costa-leste, contaminando em especial lugares como Boston e Nova York. Um episódio interessante foi o show do Black Flag em NY, 1981. Toda turma de Washington foi para lá prestigiar os figurões californianos. No dia seguinte, o célebre crítico Lester Bangs comentava no jornal a presença de uma horda de carecas feios e rudes com um jeito de dançar extremamente agressivo.
De qualquer maneira, em 1980 saem os primeiros LPs dos Dead Kennedys e dos Circle Jerks e em 81 sai Damaged, o clássico do Black Flag e o primeiro EP do Minor Threat. Numa América onde havia apenas focos de infecção (na California e em Washington), surge uma verdadeira inflamação generalizada de bandas rápidas, agressivas, diretas e mal-educadas. O hardcore toma conta da América, e o país têm sua primeira verdadeira explosão punk (já que em 77 os americanos preferiram John Travolta e a disco). Em Chicago (Necros, Effigies), Minneapolis (Husker Du), Texas (D.R.I., Dicks, Big Boys), Boston (SSD, Jerry's Kids, F.U.s), NY (The Mob, Urban Waste, Beastie Boys), Detroit (Negative Approach), Reno (7 Seconds), Seattle (Fartz), Portland (Poison Idea)... de todos os rincões da América emergiam bandas e mais bandas desta que era até então a música mais agressiva, contundente e perturbadora jamais feita pela raça humana, e com essas bandas surge todo um circuito de gravadoras independentes, fanzines, e organizadores de shows que persiste até hoje, livre da nefasta influência corporativa.
O fato é que na inglaterra de 1977, o punk foi a "sensação do ano", e todos sabem que "sensações do ano" não duram mais do que um ano. Foi fogo de palha, e em 1978 a coisa já tinha meio que ido para o brejo. Eu proponho uma brincadeira divertida. Pegue as principais bandas punks da primeira geração que lançaram pelo menos 2 ou 3 discos. Observe como o segundo ou terceiro disco sempre é mais levinho, tem teclados, letras mais "na manha" e arte mais elaborada. Não é por acaso. Mas não foi para o brejo para todo mundo. Se os grandes nomes abandonaram o barco, a mídia e as gravadoras se desinteressaram, a molecada, que deveria ter sido a dona do punk desde o começo se manteve fiel.
O punk foi abandonado pelo sistema (que para cooptá-lo precisou transformá-lo em new wave), e adotado pelos fanáticos, pelos casca-grossa. Fanático e casca grossa justamente são traduções livres para o termo inglês "hard-core". Logo, tanto na inglaterra quanto nos EUA, novas versões mais extremas do punk começaram a aparecer, contrastando com a new wave, o pós punk e todos os subprodutos diluídos do fenômeno original. Na inglaterra, o Oi! , o anarco-punk e o chamado "punk's not dead" (muitas vezes considerado o hardcore inglês), foram as mais célebres facções dessa agressiva retomada aos fundamentos do punk rock.
Já nos EUA, aparecia (especialmente no sul da California e em Washington D.C.) uma vertente violenta, seca e desagradável, apelidada de hardcore-punk. A música era ultra rápida, cada vez mais despida de "rockismos" (solinhos, ranço hard-rock, etc...), agressiva, distorcida. Uma nova batida de bateria, o 2/2 (apelidado de paco-paco) mega-veloz, enterrava de vez o resquício blues 4/4 do rock and roll. Enfim, eram bandas que pegavam o punk, tiravam dele apenas o que achavam essencial, exageravam essa "essência" e jogavam o resto no lixo. Da mesma forma, o público também era "mais rápido", "mais agressivo", e mais jovem. Se em Nova York a cena punk do final dos anos 70 girava em torno de uma elite de junkies sado-masoquistas de 25, 30 anos leitores de Rimbaud e amigos do Andy Warhol, essa nova cena do sul da California era formada por surfistas/skatistas/gangueiros adolescentes com cabeças raspadas, músculos exercitados pelos esportes radicais, brigas e vandalismo, e um ódio mútuo pela polícia mais violenta dos EUA, o L.A.P.D. (departamento de polícia de Los Angeles). Essa galera vinha principalmente de cidades praianas próximas a L.A., e desse pessoal surgem bandas célebres como Black Flag, Circle Jerks, Adolescents, Redd Kross, China White, Bad Religion, entre outros.
Mas antes mesmo de haver o termo "hardcore", ou uma diferenciação entre os públicos "intelectual maduro" e "adolescente tosco" era fácil de perceber que a California era o berço de algo novo, algo mais agressivo, mais direto e mais intenso (vide a discografia). Muitas das primeiras bandas punks de Los Angeles, como Dils, Germs e o próprio Black Flag eram muito mais podres do que qualquer coisa da época em qualquer lugar do mundo. Certo, a política dos Dils era proveniente do esquerdismo do Clash, mas se o Clash era político "às vezes", os Dils eram Marxistas linha-dura. Da mesma forma, o niilismo dos Germs vinha diretamente do Iggy Pop e do Sid Vicious, mas também era exagerado e embebido numa música anos-luz mais agressiva. Já o Black Flag continha praticamente todos os ingredientes da "receita" hardcore.
Até que por volta de 1980, já havia em L.A. uma clara diferenciação entre a galera punk "da antiga" (que havia começado a cena punk local longínquos 3 anos antes), mais velhos, intelectualizados e cada vez mais interessada em propostas estéticas criativas, e o contingente de moleques brutais de cabeça raspada. Ia embora o pogo estilo inglês (pulos no mesmo lugar), e em seu lugar entrava a chamada Slam Dancing (porradaria, stage dives, rodas, etc...). A violência estética finalmente se transformava em violência física, ainda que de maneira "camarada", entre parceiros. Da mesma forma, o ódio à autoridade que existia nas letras punks se transformava em algo real. Shows do Black Flag eram frequentemente perturbados pela tropa de choque, e não era raro haver helicópteros da polícia sobrevoando os locais (cordões de isolamento e gás lacrimongêneo então eram lugar comum). Ainda na Califórnia, mais ao norte, em São Francisco, uma banda com um nome extremamente chamativo começava a se destacar. Eram os Dead Kennedys, com um punk agressivo como o de L.A., extremamente irônico e politizado, e com idéias musicais das mais variadas (influência de Surf Music, Jazz, Rockabilly, trilhas sonoras de faroeste, etc...). Os shows brutais, o som rápido e violento e a política radical, certamente faziam deles dignos representantes do tal "hardcore-punk".
No outro extremo do país, em Washington D.C., uma banda chamada Bad Brains estava, desde 78/79 fazendo um punk rock totalmente novo, mais rápido e sem regras. Ao contrário da maioria dos punks americanos, os Bad Brains eram negros e até ouvirem discos dos Sex Pistols, Ramones e Damned, tocavam Jazz-Funk. De qualquer maneira, havia uma força sobrenatural unindo-os com seus comparsas californianos, e já em 1979 o som da banda era rápido o suficiente para ser chamado de hardcore até hoje. Em volta dos Bad Brains, surge na cidade uma turma de punks adolescentes que tinham muito a ver com a galera de L.A. de que falávamos acima, com a diferença de serem mais pacíficos e não beberem nem se drogarem. Dessa galera surgem várias bandas, em especial os Teen Idles e o S.O.A.. Pois em 1980, os Teen Idles vão tocar na Califórnia, assistem os Circle Jerks e os Dead Kennedys, vêem seus primeiros stage dives, fazem amigos e voltam para Washington sentindo-se totalmente identificados com o que rolava em L.A. Junto com a banda foi o amigo nº1 deles, o vocalista do S.O.A., Henry Garfield. Henry, cerca de um ano depois entraria no Black Flag, mudaria seu nome para Henry Rollins e se transformaria em um ícone do hardcore (e, anos depois, rockstar e ator de filmes ruins). Já os Teen Idles acabam no final de 80, se transmutando numa nova banda, o Minor Threat, que rapidamente iria se tornar tão importante quanto as bandas californianas que os inspiraram.
A turma de Washington levou para casa elementos estéticos e musicais da cena californiana, tais como a cabeça raspada e o "slam-dancing", e conforme foram ficando conhecidos, o vírus do hardcore se espalhou pela costa-leste, contaminando em especial lugares como Boston e Nova York. Um episódio interessante foi o show do Black Flag em NY, 1981. Toda turma de Washington foi para lá prestigiar os figurões californianos. No dia seguinte, o célebre crítico Lester Bangs comentava no jornal a presença de uma horda de carecas feios e rudes com um jeito de dançar extremamente agressivo.
De qualquer maneira, em 1980 saem os primeiros LPs dos Dead Kennedys e dos Circle Jerks e em 81 sai Damaged, o clássico do Black Flag e o primeiro EP do Minor Threat. Numa América onde havia apenas focos de infecção (na California e em Washington), surge uma verdadeira inflamação generalizada de bandas rápidas, agressivas, diretas e mal-educadas. O hardcore toma conta da América, e o país têm sua primeira verdadeira explosão punk (já que em 77 os americanos preferiram John Travolta e a disco). Em Chicago (Necros, Effigies), Minneapolis (Husker Du), Texas (D.R.I., Dicks, Big Boys), Boston (SSD, Jerry's Kids, F.U.s), NY (The Mob, Urban Waste, Beastie Boys), Detroit (Negative Approach), Reno (7 Seconds), Seattle (Fartz), Portland (Poison Idea)... de todos os rincões da América emergiam bandas e mais bandas desta que era até então a música mais agressiva, contundente e perturbadora jamais feita pela raça humana, e com essas bandas surge todo um circuito de gravadoras independentes, fanzines, e organizadores de shows que persiste até hoje, livre da nefasta influência corporativa.
2 comentários:
B000a velho
então a história do rock começa na Inglaterra ?
IEUEUEOEUIEUIOEUEOUIEOE&#
phoda o que você falou , só achei que podia
ter falado um pouco do hardcore no Brasil
beijoos ;**
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