A regra número 34 da internet
estabelece que se uma coisa existe, há uma versão pornográfica da coisa. Sem
exceções. Dian Hanson, a mulher que fez as mais bem-sucedidas revistas de
fetiche da história antes de se tornar a chefona dos sexy books da editora
Taschen, sabia disso muito antes da internet existir. De certa forma, falar
sobre sua carreira e a estarrecedora capacidade de entender a sexualidade
masculina é narrar a trajetória da pornografia de nosso tempo. É também a
história de uma musa cuja influência extrapola o submundo pornô.
A mente do fetichista é
prodigiosa. Pernas e pés, por exemplo, bastante comum, embora eventualmente não
apenas pés, mas a curva de dentro do pé, ou o pé dentro de um determinado
sapato de salto alto, ou meias de uma determinada cor, ou pés pisando feijões
ou aceleradores de um carro, não um automóvel qualquer, mas uma Corvette de
pedais brancos, apenas Corvettes de pedais brancos. Dian Hanson conhece
profundamente o tortuoso mecanismo mental que leva um homem a sentir-se
sexualmente excitado à visão de uma parte do todo, de um objeto ou de uma
situação.
Ela despertou para o sexo aos 14
anos lendo o clássico 'Psychopathia Sexualis', de Krafft-Ebing's, na biblioteca
do bairro classe-média onde nasceu, no começo dos anos 50, naquela conservadora
Seattle, filha de pais religiosos que professavam o veganismo como purificação
espiritual. Um desastre na escola, alta e esquisita, alvo de bullying (falavam
em gigantismo), não tardou para que embarcasse no movimento hippie e deixasse
os estudos rumo a Nova York para trabalhar na revista de sexo Puritan, uma
publicação que hoje faria corar a bancada dos moderninhos.
Dian era então uma das mulheres
mais interessantes da cidade, dona de um par de pernas (ainda hoje
sensacionais) capaz de se inscrever permanentemente no imaginário da cultura
pop e pirar a cabeça de machos da contracultura como o pintor doidão Joe
Coleman e o cartunista Robert Crumb, com os quais teve longos namoros. Crumb
não só a retratou como transformou a moça em uma espécie de arquétipo para seus
famosos desenhos de mulherões de pernas imensas e lindos traseiros
proeminentes. É conhecida a cena da paixão arrasadora no primeiro encontro,
Crumb saindo de um bar montado nas costas de uma muscular Dian Hanson.
Era um avião, em todos os
sentidos. Nos 25 anos seguintes editou revistas como Partner, Outlaw Biker,
Oui, Adult Cinema Review, Harvey, Hooker, Hawgs, Big Butt e Bust Out. Mas o
sucesso veio com Juggs, Tight e Leg Show,revistas então consideradas softcore e
dirigidas a um público mais sofisticado, mas com circulações expressivas acima
dos 200 mil exemplares. Não exibiam closes ginecológicos nem penetração,
enquanto na mesma época pornógrafos como Larry Flynt e Al Goldstein, de Hustler
e Screw, queriam escandalizar desafiando as leis americanas. Dian Hanson podia
não saber, mas seu projeto menos político e mais dedicado a entender os recônditos
da perversão de seus leitores acabaria por indicar os rumos da indústria.
Não quero sugerir que Dian seja
uma intuitiva, ao contrário, leu Freud, Wilhelm Stekel e, de tão estudiosa,
casou-se com o escritor Geoff Nicholson, com quem hoje vive em Los Angeles, um
satirista que abusa do humor negro e escreve romances repletos de personagens
obsessivos, tarados em guitarras, Volkswagens, pés, sapatos femininos e
sociedades secretas. Aos poucos, já na década de 90, era vista como uma
autoridade em erotismo e entrou no radar do milionário editor alemão Benedikt
Taschen, dono de editora Taschen, especializada em arte, antropologia,
arquitetura, fotografia e sexo.
A essa altura a internet já tinha
promovido seus irreversíveis estragos na indústria de filmes e publicações
pornográficas. Dian, que viveu na pele a transformação, é peremptória quando
toco no assunto. "No começo da internet produtores do pornô fizeram
dinheiro com sites pagos, mas por volta de 1997 a guerrilha começou, as fotos
das revistas eram digitalizadas e postas de graça nos sites, as circulações
começaram a cair e hoje as pessoas não querem mais pagar pela
pornografia". Quem está fazendo dinheiro hoje? "Quase ninguém.
Private, na Espanha, sobrevive vendendo conteúdo para TV e aplicativos na Europa.
Vivid, nos EUA, faz grandes produções em vídeo e versões softcore para quartos
de hotéis, mas está caindo, porque todo mundo tem um laptop para assistir ao
que quiser".
Em 2001, Dian deixou as revistas
e aceitou o convite de Taschen para comandar a divisão de livros eróticos da
editora, que responde por apenas 5% do total das vendas mas confere verniz e
visibilidade incalculáveis ao ousado publisher que produz, ao mesmo tempo,
livros de dez dólares e algumas das edições mais sofisticadas do mercado editorial
global. Um dos títulos mais caros da história - que contém muito erotismo e
logo se transformou numa espécie de objeto de arte para colecionares - é a
esgotada retrospectiva 'SUMO' do fotógrafo Helmut Newton, com exemplares
inicialmente vendidos a 15 mil dólares, hoje disputados em leilões.
Ela foi desde sempre uma
colecionadora de imagens, bichos empalhados e mimosidades sexy, um verdadeiro
depositório vivo de referências adquiridas ao longo de uma vida hedonista
dedicada às perversões de seus leitores. Passou a exercer a plenitude de seu
talento na Taschen como curadora e construiu uma rede mundial de colaboradores
nos leilões do eBay, onde localizou gente que comercializa o que há de mais
cool em termos de erotismo. Foi esta memorabilia trazida das catacumbas da
internet que forjou alguns de seus maiores sucessos editoriais.
Por muito tempo, o livro da
Taschen mais vendido foi '1000 Chairs', sobre design de cadeiras. O mais
lucrativo foi o já mencionado 'SUMO', uma edição escandalosamente sofisticada e
limitadíssima que pesa 35 quilos. Dos que Dian editou destacam-se 'The Big
Penis Book', seguido por 'The Big Book of Breasts', títulos que apresentam
fotos em close das partes do corpo. "Acho que as pessoas gostam de
cadeiras, fotografia chique e protuberâncias, nessa ordem", brinca quando
pergunto sobre seus maiores sucessos. Não toquei no assunto, mas sabe-se que o
livro 'America Swings', que assina com outros dois editores, está entre os
maiores fracassos de venda da editora.
Ela tem espaço para arriscar,
errar e - o melhor dos mundos - um gosto muito parecido com o do chefe. Lançou
coletâneas que contam a história das revistas masculinas e da fotografia
erótica, fez tributos a ícones da indústria pornô (Vanessa Del Rio, Cicciolina)
e abriu espaço a experimentalismos como em 'Days of Cougar', da fotógrafa Liz
Earls, que aos 50 e poucos anos saiu pelo mundo registrando as próprias
aventuras (algumas públicas) com homens mais jovens. Mas a cristalização de sua
ideia de fetiche foi dedicar edições exclusivas às partes em detrimento do
todo: bunda, pernas, vulva e peitos. "'The Big Butt Book' vende muito mais
em países latinos", observa.
Um outro statement da internet, o
qual chamarei aqui de regra Hanson, estabelece que a melhor pornografia online
é aquela que mais se aproxima do real. O fato de que todo mundo passou a
produzir e compartilhar imagens caseiras de suas relações privadas reformatou
os apetites. "O amador é mais popular do que o profissional porque as
pessoas preferem um vídeo tosco e espontâneo feito em um motel a uma produção
de elenco bonitinho engessada por um roteiro improvável", explica Dian com
sua panca de acadêmica.
Talvez por isso tenha decidido,
na primeira hora, editar fotógrafos como Terry Richardson e Richard Kern, dois
os mais hypados entusiastas da estética amadora. O amador vai se tornar
mainstream? "Não acho que vá se tornar 100% mainstream porque não há como
encenar a realidade, por mais que tentem os reality shows na TV. Mas essa é a
tendência".
Uma vez que a puta, a pornógrafa
e a atriz pornô vivem de vender sexo, então qual será a maior diferença entre
elas, pergunto, ao que Dian rebate de pronto: "A puta está se dando bem,
as outras duas estão dando duro". Pornografia vicia? "Vício é
dependência química, como nicotina e álcool, mas o que dá prazer pode se tornar
um hábito porque a busca pelo orgasmo é instintiva, motor da perpetuação da
espécie. É uma recompensa que todos buscamos, só que alguns de nós somos
melhores do que outros no controle desse comportamento."
Quando está em casa na condição
de consumidora de pornografia, joga palavras soltas no Google e vê o que
retorna, mas quase sempre acaba na parte grátis de um prosaico site de câmeras
ao vivo com aquelas mulheres deitadas em seus minúsculos apartamentos na Tailândia,
na Rússia ou no Brasil, paredes sujas, ventiladores ligados, um tédio
acachapante, caras e bocas à espera de que alguém pague por uma sessão privada.
"Gente de todas as idades e raças, pessoas comuns, mexendo nos cabelos,
escutando rádio, balançando os peitos ou massageando os pintos, gosto da ideia
de que aquilo esteja acontecendo em tempo real e de que qualquer coisa possa
acontecer, embora nunca aconteça nada".
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