quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Quando a tarde terminar - Parte 02 / 02



Quatro anos depois a minha era dourada também chegava ao fim , eu a autodenominei “noites que valeram por uma vida” , uma singela homenagem as noites passadas em claro , com um violão compondo musicas , bebendo e fumando muito , muitas vezes acompanhado de uma banda e inumeras outras sozinho junto com minha melhor namorada na época : a melancolia.Também uma homenagem aos vôos noturnos pelo Bomfim , onde muitas vezes eu não sabia como tinha  conseguido chegar em casa na manhã seguinte.

Eu lembro do exato momento que senti a mesma angustia do meu velho amigo de colégio , a sensação que os últimos dias de festa escorriam pelos meus dedos , sem eu poder fazer nada para impedir.Eu estava sentado no capô de um velho opala diplomata, num posto de gasolina perto da praia de Torres , as seis da manhã de um domingo. Bebendo a última cerveja da noite e fumando , olhando a estrada deserta e divagando sozinho , como se de um lado da estrada estivesse toda aquela loucura sem fim que tinha sido minha vida até agora e do outro uma total incerteza , mas que a cada dia parecia ser o caminho a ser tomado.

Algumas pessoas saem a noite para esquecer da vida , tentar desesperadamente se perder , encontrar uma salvação, um sentido , uma resposta. Eu enchia o tanque do carro e rumava madrugada adentro até alguma praia gaucha , bebendo e escutando musica , parando nos botecos e postos de beira de estrada , jogando conversa fora com garçonetes , bebuns  e todo o tipo de seres noturnos . E ao chegar na praia tomava uma café preto sem açucar e simplesmente retornava a Porto Alegre , era uma forma de encontrar uma saída , ou simplesmente uma fuga para quando a barra pesava.

Aprendi que não adiantava lutar , era um ciclo que estava se fechando E por mais doloroso que fosse e foi , tudo na vida um dia acaba , as bandas , os amores , a turma do futebol sabado de manhã , a turma do barzinho e por mais doloroso que fosse , as noites que valeram por uma vida também.

Caminhando pelo parque da redenção , num dia qualquer da semana , bebendo uma coca-cola e olhando as bundas das senhoras respeitáveis e das ninfetas chaves-de-cadeia , esbarro no meu velho amigo “tocador de pente”. Dois estranhos no ninho , matando serviço em plena tarde portoalegrense.

- E ai cara? Não acredito
- Putz Calcinha , somos dois vagabundos mesmo hein ? em pleno horário de serviço
- Ahh veio que legal de rever , como andam as coisas.....
- Cara  ...casei , tenho um filho , não fiquei rico , nem virei um rockstar...e tu calcinha?
- Tem tempo  para uma cerva ? Vamos no Lola ? ou tem compromisso?
- Cara até tenho , mas foda-se , vamos lá.

No caminho ele foi me contando que logo após ter ser formado , alugou um quarto e sala no centro , conseguiu um emprego chato mas que pagava as contas , foi levando a vida , literalmente sem pensar , era como que se algo tivesse por acontecer. Só não sabia se seria algo de bom ou ruim. De segunda a sexta , trabalho e no final de semana tornava-se um provador de bucetas , de todos os tamanhos,cores e cheiros , mas o mais inacreditável aconteceu , ele se apaixonou por uma coroa de 45 anos.

- Cara eu tava fazendo umas compras no supermercado, coisa de cara solteiro , comida congelada , cerveja , mais comida congelada, mais cerveja e ai escuto uma voz “ Nossa vai ter um banquete “ , viro e enxergo uma coroa enxuta , com um sorriso encantador , um misto de gostosa com simpática...ou seja um perigo
- Conheço bem o estilo ...
- Ela era viuva de um militar , cheia da grana e meu amigo, me senti com se nunca tivesse transado antes , porque como ela disse meio que me deixando sem chão....” Eu gosto de fuder , não de fazer amor ou transar”.
- Putz cara ....
- Vou ser sincero , me apaixonei por ela , saca quando até as musicas babacas fazem sentido , ela também morava no centro , numa apartamento luxuoso e eu naquele pulgueiro. Cara me senti envergonhado , não tinha como bancar aquela mulher.
- Tá mas e ai cara ? o que tu fez ?
- Nada !!! Ela me convenceu a morar com ela , largar o emprego , disse que ela tinha pouco tempo pra perder com besteiras , que eu deixasse de lado esse machismo, cara me senti culpado por não poder fazer nada , mas eu tava sendo feliz...muito feliz , uma nova era dourada...
- Cara tu lembra disso ainda ?
- Claro , achei que não haveria nada melhor que aqueles tempos do colégio , mas tava errado. O mundo é feito de pequenos ciclos , pequenos paraisos , alguns infernos....mas as vezes é preciso ter coragem....
- Como assim coragem ?
- Eu levanto depois das  dez , fumo um baseado , fico olhando um pouco de televisão bebo uma cerveja e espero ela voltar da academia , saímos pra almoçar fora, depois caminhamos pelo centro , vamos numa locadora , pegamos uns filmes pra ver durante a madrugada e depois chegamos em casa e trepamos....todas as perversões imaginaveis numa mesma mulher.

- Mas tu acha que precisa coragem pra isso? Eu adoraria viver assim , sem ter que trabalhar....
- Eu sei ! É que as vezes eu me sinto culpado , herança da minha educação católica , vivendo de forma diferente da manada....
- Tá me diz calcinha ? Tu é feliz assim? Eu também vivo diferente da manada e eu sou feliz....não é fácil ser diferente , mas vale a pena.
- Cara sou fudidamente feliz !!!

Passamos  o restante da tarde enchendo a cara , falando do passado , sexo , mulheres , dos amigos que ficaram pelo caminho ( amigos mortos , amigos mortos vivos com suas vidas de homens respeitáveis ) , das dificuldades de estar vivo e conviver com as perdas , dos medos , das eras douradas e das noites que valeram por uma vida.

- Sabe eu tenho medo , que um dia isso um dia acabe , afinal tudo acaba...sabe um dia ela se encha de mim..e me mande embora.

- Calcinha...acho que o lance é não pensar muito...ou beber muito

Uma sonora gargalhada espalha-se pelo bar vazio. A noite chega e rumamos para nossos paraisos particulares  , ambos carregando no fundo aquela centelha adolescente do “viva o máximo e foda-se” , sem grandes luxos ou carros importados , mas bebendo e jogando conversa fora num dia da semana , isso talvez seja a verdadeira felicidade . Não adianta ter liberdade...é preciso ser livre.

1ªParte

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