Quatro anos
depois a minha era dourada também chegava ao fim , eu a autodenominei “noites
que valeram por uma vida” , uma singela homenagem as noites passadas em claro ,
com um violão compondo musicas , bebendo e fumando muito , muitas vezes
acompanhado de uma banda e inumeras outras sozinho junto com minha melhor
namorada na época : a melancolia.Também uma homenagem aos vôos noturnos pelo
Bomfim , onde muitas vezes eu não sabia como tinha conseguido chegar em casa na manhã seguinte.
Eu lembro do
exato momento que senti a mesma angustia do meu velho amigo de colégio , a
sensação que os últimos dias de festa escorriam pelos meus dedos , sem eu poder
fazer nada para impedir.Eu estava sentado no capô de um velho opala diplomata, num posto de
gasolina perto da praia de Torres , as seis da manhã de um domingo. Bebendo a
última cerveja da noite e fumando ,
olhando a estrada deserta e divagando sozinho , como se de um lado da estrada
estivesse toda aquela loucura sem fim que tinha sido minha vida até agora e do
outro uma total incerteza , mas que a cada dia parecia ser o caminho a ser
tomado.
Algumas pessoas
saem a noite para esquecer da vida , tentar desesperadamente se perder , encontrar
uma salvação, um sentido , uma resposta. Eu enchia o tanque do carro e rumava
madrugada adentro até alguma praia gaucha , bebendo e escutando musica ,
parando nos botecos e postos de beira de estrada , jogando conversa fora com
garçonetes , bebuns e todo o tipo de seres
noturnos . E ao chegar na praia tomava uma café preto sem açucar e
simplesmente retornava a Porto Alegre , era uma forma de encontrar uma saída ,
ou simplesmente uma fuga para quando a barra pesava.
Aprendi que não
adiantava lutar , era um ciclo que estava se fechando E por mais doloroso que
fosse e foi , tudo na vida um dia acaba , as bandas , os amores , a turma do
futebol sabado de manhã , a turma do barzinho e por mais doloroso que fosse , as noites que valeram por
uma vida também.
Caminhando pelo
parque da redenção , num dia qualquer da semana , bebendo uma coca-cola e
olhando as bundas das senhoras respeitáveis e das ninfetas
chaves-de-cadeia , esbarro no meu velho amigo “tocador de pente”. Dois
estranhos no ninho , matando serviço em plena tarde portoalegrense.
- E ai cara? Não
acredito
- Putz Calcinha
, somos dois vagabundos mesmo hein ? em pleno horário de serviço
- Ahh veio que
legal de rever , como andam as coisas.....
- Cara ...casei , tenho um filho , não fiquei rico , nem virei um rockstar...e tu calcinha?
- Tem tempo para uma cerva ? Vamos no Lola ? ou tem
compromisso?
- Cara até
tenho , mas foda-se , vamos lá.
No caminho ele
foi me contando que logo após ter ser formado , alugou um quarto e sala no
centro , conseguiu um emprego chato mas que pagava as contas , foi levando a
vida , literalmente sem pensar , era como que se algo tivesse por acontecer. Só
não sabia se seria algo de bom ou ruim. De segunda a sexta , trabalho e no
final de semana tornava-se um provador de bucetas , de todos os tamanhos,cores
e cheiros , mas o mais inacreditável aconteceu , ele se apaixonou por uma
coroa de 45 anos.
- Cara eu tava
fazendo umas compras no supermercado, coisa de cara solteiro , comida congelada
, cerveja , mais comida congelada, mais cerveja e ai escuto uma voz “ Nossa
vai ter um banquete “ , viro e enxergo uma coroa enxuta , com um sorriso
encantador , um misto de gostosa com simpática...ou seja um perigo
- Conheço bem o
estilo ...
- Ela era viuva
de um militar , cheia da grana e meu amigo, me senti com se nunca tivesse
transado antes , porque como ela disse meio que me deixando sem chão....” Eu
gosto de fuder , não de fazer amor ou transar”.
- Putz cara ....
- Vou ser
sincero , me apaixonei por ela , saca quando até as musicas babacas fazem
sentido , ela também morava no centro , numa apartamento luxuoso e eu naquele
pulgueiro. Cara me senti envergonhado , não tinha como bancar aquela mulher.
- Tá mas e ai
cara ? o que tu fez ?
- Nada !!! Ela me
convenceu a morar com ela , largar o emprego , disse que ela tinha pouco tempo
pra perder com besteiras , que eu deixasse de lado esse machismo, cara me
senti culpado por não poder fazer nada , mas eu tava sendo feliz...muito
feliz , uma nova era dourada...
- Cara tu lembra
disso ainda ?
- Claro , achei
que não haveria nada melhor que aqueles tempos do colégio , mas tava errado. O mundo é feito de pequenos ciclos , pequenos paraisos , alguns infernos....mas
as vezes é preciso ter coragem....
- Como assim
coragem ?
- Eu levanto
depois das dez , fumo um baseado , fico
olhando um pouco de televisão bebo uma cerveja e espero ela voltar da
academia , saímos pra almoçar fora, depois caminhamos pelo centro , vamos numa
locadora , pegamos uns filmes pra ver durante a madrugada e depois chegamos em
casa e trepamos....todas as perversões imaginaveis numa mesma mulher.
- Mas tu acha
que precisa coragem pra isso? Eu adoraria viver assim , sem ter que
trabalhar....
- Eu sei ! É que as vezes eu me sinto culpado , herança da minha educação católica , vivendo de forma diferente da manada....
- Tá me diz
calcinha ? Tu é feliz assim? Eu também vivo diferente da manada e eu sou
feliz....não é fácil ser diferente , mas vale a pena.
- Cara sou
fudidamente feliz !!!
Passamos o restante da tarde enchendo a cara , falando
do passado , sexo , mulheres , dos amigos que ficaram pelo caminho ( amigos
mortos , amigos mortos vivos com suas vidas de homens respeitáveis ) , das
dificuldades de estar vivo e conviver com as perdas , dos medos , das eras
douradas e das noites que valeram por uma vida.
- Sabe eu tenho
medo , que um dia isso um dia acabe , afinal tudo acaba...sabe um dia ela se
encha de mim..e me mande embora.
- Calcinha...acho
que o lance é não pensar muito...ou beber muito
Uma sonora
gargalhada espalha-se pelo bar vazio. A noite chega e rumamos para nossos
paraisos particulares , ambos carregando
no fundo aquela centelha adolescente do “viva o máximo e foda-se” , sem grandes
luxos ou carros importados , mas bebendo e jogando conversa fora num dia da semana , isso
talvez seja a verdadeira felicidade . Não adianta ter liberdade...é preciso
ser livre.
1ªParte
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